sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Pausas.

Ultimamente tenho perdido a escrita. Vou escrevendo em folhas soltas e depois adio a sua codificação. Deixo de escrever aquilo que elaborei mentalmente porque não tenho tempo, oportunidade ou vontade. E vão-se passando dias. E dias.



E custa não escrever. Porque desde há muito que o faço. Há muito que escrever e escrever para os outros lerem se fez um bom hábito. Um hábito que quero conservar.


Portanto, deixar de escrever é como se me estivesse a perder aos pouquinhos. Pode ser difícil para quem não costuma escrever compreender até que ponto a escrita pode ser importante.


É simplesmente assim. Em cada texto que escrevo, seja ele mais ou menos extenso, seja ele mais ou menos sentimentalista, seja ele o que for, há sempre um pedacinho de mim que sai para o exterior. Algumas das personagens que refiro são baseadas em amigos, conhecidos e familiares; amores e desilusões são quase sempre de experiencia própria ou bem perto disso; as reflexões sobre um tema, seja qual for, são sempre um tema que me diz alguma coisa.


Em cada texto há sempre algo que só eu percebo, porque tudo aquilo é apenas fruto de mim. Do meu consciente, da minha sensibilidade do meu estado de espírito. Dos meus conhecimentos e das minhas falhas no saber.


Acho que alguém que leia o que escrevo pode conhecer-me bem. Porque afinal, eu demonstro-me nos textos. E quem lê sabe. Pode é não ter consciência disso.


Há por isso muito de mim em cada linha, em cada página, em cada texto…


E há muito também, nas pausas que faço na escrita. Nos dias em que não escrevo. Naquilo que prefiro não escrever.


Há nas pausas uma razão. Um desconforto confortável. Uma ausência penosa. Um celibato insensível que se adia quebrar. Uma pauta vazia que o compositor se recusa a enfeitar. Há tudo isso e muito mais. Cabe lá tudo, no vazio.


Mas é assim mesmo. Ás vezes escrevemos porque estamos bem ou mal, ou tristes ou apaixonados, ou felizes ou desapontados, e queremos que as pessoas saibam disso, ainda que nem se apercebam. Ás vezes não escrevemos porque estamos bem ou mal, tristes ou apaixonados, felizes ou desapontados e não queremos que as pessoas, ainda que possam nem se aperceber, se apercebam.


E custa. Porque aquilo que em outros momentos deixamos sair, fica nos dias em que não escrevemos, cá dentro, a pesar.

Catarina.

sábado, 10 de outubro de 2009

muito amor em muitos amores.

Era uma vez o amor. Era uma vez uma rapariga. Era uma vez uma história.



Tinha olhos escuros e o cabelo liso caído pelo meio das costas, os lábios finos e claros desenhavam-lhe imensos sorrisos sinceros e era das poucas raparigas que gostava de ir em pé nos autocarros e que adorava caminhar em passo acelerado pelas calçadas. Chamavam-lhe Madalena.


Ele era imprevisível, arrebatador, fulgurante e pouco sensato. Mas também sabia ser sincero, meigo, terno e romântico. Fazia-a suspirar, revirar os olhos e imaginar mil e muitos cenários queridos. Também a deixava louca, esvaída em equilíbrio, confusa e com o ego em queda.


Chamavam-lhe amor, e noutros dias também paixão e ódio e nomes assim.


A Madalena e o amor tinham uma grande história.


Madalena desenvolveu ao longo da sua vida uma propensão ultra dimensional para amar. Amou os pais e toda a família mais próxima, amou as barbies das quais cuidava com primor, amou as amigas que passavam fim de semanas com ela, amou os ursos de pelúcia e os estojos de maquilhagem que lhe ofereciam nos anos em estojos de cetim cor-de-rosa. Mais tarde amou os livros de aventuras que começou a ler e apaixonou-se pelo seu colega de carteira.


Amou de novo e novamente e depois outra e outra vez. Pelo meio e enquanto estes amores, amou as melhores e os melhores amigos, amou a escrita e a música, amou os sonhos e as fantasias, amou os segredos, amou os vícios e a melancolia.


Depois do ultimo amor quente, foi amando. Deu continuidade a todos os amores que mantinha religiosamente de há longos anos. Mas depois do ultimo e forte amor, deixou de amar para ir amando, diária e ocasionalmente. Ainda ontem, julgou ter encontrado no livro que comprou sobre a vida romana dos romanos em Roma na época do império Romano um amor sincero. Mas depressa se desiludiu. Era um amor dispendioso.


Mas voltou a amar e dessa vez, quinze minutos depois de uma desilusão, soube que naquele momento diria um alto sim a tudo o que lhe quisesse pedir aquele rosto. Era médio, moreno e tinha um piercing. Achou-o perfeito assim que o viu. Tinha um rosto sereno e fiel, umas mãos fortes e um olhar profundo. E soube que estava apaixonada quando o ouviu ceder o seu lugar para uma senhora quarentona, numa voz simpática e sincera, forte e branda, leve e perfeita. Teria ficado com ele para sempre, naquele momento. Mas as viagens de autocarro têm sempre uma paragem. E Madalena saiu antes dele.


É claro que Madalena voltou a amar. Mudou de penteado, mudou de amigos, mudou de expectativas e mudou de amores. Mas amou sempre e sempre soube que nem todos os seus amores seriam para sempre.


E era assim que Madalena e o amor tinham uma história.