terça-feira, 24 de abril de 2012

Pintado a preto.

Ontem ao passar por uma escola de paredes brancas, recebi despropositadamente uma prova de amor alheio que me fez recuar aos tempos das promessas eternas.

"Amo-te Flávia", escrevera alguém, com spray preto, pintado e descurado, com pressa e fervor, à imagem do amor que os impulsiona.

Numa reviravolta de memórias, eu invejei a Flávia. A Flávia que não me conhece, a Flávia que tem um apaixonado que se arrisca em obras de arte espontâneas para lhe provar um afeto terno, a Flávia que ainda não sabe mas que um dia há de sentir falta da simplicidade com que vive.

Menina de sorte, a Flávia, que me deixa imaginá-la a corar quando chega ao portão da escola para as aulas da manhã, que me deixa sonhar com os passeios de mãos dadas pelos jardins que cirandam os limiares de um romance juvenil, que me deixa torcer pelos sorrisos e pelos olhares secretos entre os rostos dos corredores apinhados de correrias contrafeitas.

"Para sempre" acrescentava e terminava assim esse Picasso apaixonado, mal sabendo ele que estas pequenas promessas hão de ser lembradas um dia, com sorrisos benevolentes, de quem recorda o passado com compreensão pela inconsciência da altura.

Quando crescerem hão de entender que a simplicidade do amor se esconde nas entrelinhas da vida e que os pares de felicidade vão além dos sorrisos roubados nos furos de almoço. Mas por agora, enquanto o presente é deles, espero que a Flávia agarre esse pintor ousado e o deixe por perto, porque é preciso coragem para amar, quase tanta como a que é precisa para se aventurar em obras de arte apaixonadas na via pública.

Ainda não sabem, mas um dia hão de desejar, como eu, que o amor seja tão fácil de provar e de se sentir como um ''amo-te'' pintado a preto numa parede, visível aos olhos de todos os mundos mas oferecido por inteiro a um coração só.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Retornada.

Quando se vai, há alturas em que apetece regressar, como quem passeia pelas ruas cinzentas de um dia de Inverno e apressa o passo ao voltar a casa, só para apreciar na plenitude a serenidade confortável do ambiente protegido.
Mas o querer tem tanto que se lhe diga… principalmente quando querer não casa com poder. Para voltar é preciso encontrar um tempo certo, um je ne sais quoi mágico que o mundo nos oferece, generosamente, e que embora não sintamos com consciência, aproveitemos para retornar, instintivamente.
Engana-se quem pensa que ir e voltar é tão somente isso, dois verbos que combinam melodiosamente.
Vai-se e volta-se… E o tanto que perdemos ou ganhámos dita-nos as mudanças com que nos devemos deparar quando pararmos, aqui ou ali, a fim de contar o que nos resta da viagem. Esvaziados os bolsos, depois de se ter visto o que ali ia e de ter sido feito o apuramento, o caminho fica mais leve e com o espaço exato para aquilo que os nossos e outros mundos nos têm para oferecer, se soubermos ver com o olhar certo.
Vai-se e volta-se e não se sabe bem para onde se regressa, porque o mundo gira, dancemos ou não com ele, façamos ou não a música que o acompanha. Querendo ou não as mudanças dão-se, mesmo quando nelas não tivemos uma escolha objetiva, e quando se volta é preciso aceitar o mundo como está, antes de o alterarmos ao nosso bel prazer.
Fui e vim, e hoje volto aqui com esse tal quê de brilho encantado que não me pesa em lado algum e ao invés disso me eleva num sorriso pleno. Podia ter vindo em tantos outros dias mas é hoje que faz sentido, é agora que o meu suspiro me inspira, de novo.
Afinal, estou em casa.