Hoje foi um dia cinzento, como tantos outros dias o são. E não seria um dia nada mais que cinzento não fosse o cinzento do dia. Uma coisa é ser um dia cinzento e outra é ter cinzento no dia. Quando se tem cinzento no dia é porque não houve brilho suficiente.
Hoje deixei a porta da câmara secreta entreaberta e parece-me que os avanços na descoberta da pedra filosofal se retraíram. E esta pedra filosofal não é só uma pedra. É a minha pedra. A mais bonita das que até hoje já vi e a que mais me fez estudar, pensar, esboçar, barafustar de um modo totalmente afortunado. E esta minha pedra ainda não está bem descoberta e muito menos está sequer definida em si. Além de saber que estou a projectar a felicidade num amanhã, através e com ela, não sei bem o que pode ser este meu tesouro.
Na minha câmara estavam outras coisas também… Havia o saco dos valores conquistados e a prateleira de princípios ensinados pelo mundo. Havia os sonhos do mundo melhor, os planos para o mundo perfeitamente correcto e os projectos de como transformar os mutantes andantes e falantes deste sítio onde vivemos em pessoas do mundo e para o mundo. A acrescentar estavam também os tesouros já limados, afincadamente polidos e devidamente emoldurados.
Porque é que só a minha pedra pequenina e incompleta teve que cair? Ou foi o vento? Não, nunca é o vento. O vento só sopra, não transforma as pedras em pó nem deixa que os planos para as ter serem amachucados.
Até já pensei em não me importar. Em esquecer a pedra e em ignorar no que ela iria, possivelmente, resultar. Chorava uns dias a sua perda, sentia a sua ausência e tentava deixar que a vida me mostrasse outra pedra bonita. Mas quem me diz que haverá outra pedra bonita? Quem me diz que haverá uma pedra que me faça saber o que está me fez? E quem me diz que eu só choraria uns dias, só sentiria a sua ausência de ânimo leve?
Já pensei em correr atrás de quem a levou, perguntar onde a deixaram e depois trazê-la de volta.
Já pensei em recomeçar. Se eu gosto dela e se acho que ela vale a pena… Se eu não perdi tudo o que ganhei dela… Se eu acho que vivo melhor com ela do que num mundo em que ela não exista…
A minha pedra filosofal é muito mais que qualquer outra pedrinha mágica. Além de ser a minha é a que eu quero ter. E não é contraditório em si querer algo que é meu, porque já vive no meu mundo.
E agora, antes que me fuja mais alguma coisa vou tentar fechar a porta da câmara secreta e voltar ao meu plano, com o caderno de apontamentos na mão, com os ouvidos a tentarem aprender o ritmo, com os olhos fixos no infinito que é nosso e com a vida presa nos limites que separam a existência da vida.