quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A ti, a mim e a todos.

Um dia escrever-te-ei um poema, um que valha a pena, do tamanho de Adamastor e da minha imaginação.



Escrever-te-ei dos dias de escrita à janela, dos sorrisos aos ecrãs, dos louvores aos compromissos e das críticas às ilusões.


Dir-te-ei em sussurro as inseguranças, os desejos, os orgulhos e os sonhos…


Farei com que sintas a ansiedade e a procura desenfreada do meu abraço no poema que a ti será dirigido.


Dar-te-ei em testamento poético os malmequeres as tulipas que plantei com o vento, naquele vaso ingénuo que tu próprio achaste ser o meu mundo cor-de-rosa.


Farei com que à medida que fores lendo, te absorvas, te arrepies, te aproximes e te aprisiones às minhas palavras, aos meus pensamentos e a tudo aquilo que sou e sei ser…


Ainda não sei como irei escrever mas sei que o farei. Sei que te irei falar do ano complicado que se estará a esgotar e das surpresas que nele irei encontrar.


Estou certa que irás gostar e aplaudir cada palavra. Dir-me-ás que estás feliz e que aquele poema é perfeito, tão perfeito como o castelo subtil que iremos desenhar com o tempo.


Irás retribuir-me o abraço, elogiar as pétalas brilhantes que imaginei e apreciarás a minha opinião franca do mundo agreste que eu teimo em ignorar a fim de conservar a minha ingenuidade terna e fatal.


Será um poema, um conto e um ponto, uma história, uma espécie de Panis Angelicus adaptado às incoerências de alguém que vive afogada em pensamentos complexos.


Sei que será assim. Um poema meu e teu, nosso.


Sei com a mesma certeza fraca e ténue que também me diz que quando assim for, será único e irracional.


Um dia será assim…


Um dia terei um poema ilógico e verdadeiro escrito, porque um dia irei ter um verdadeiro, único, fiel e ilógico amor a quem escrever.


31-12-09

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

machines

E se a máquina falha não foi ela que falhou. Foi o Homem quem a criou.

E o Homem falha porque pensa e porque sente e porque vive.


A máquina não falha. Se falha é porque o criador a deixou falhar. Não a preparou para o êxito total. Se o Homem a cria com falhas, ela irá falhar. Se a cria, dotado de toda a supremacia e omnisciência sobre ela, sem qualquer absoluto cálculo errado, então não falha.


A máquina não ama nem é feliz. Se disser que ama e que é feliz, é porque alguém a fez para artificialmente o dizer. Dizer que ama e que desfruta da vida.
Mas dizer…

Dizer?
Palavras nem sempre bastam. Bastam para as máquinas que não sentem os sons e as letras e as frases. Só as decoram, codificam ou descodificam e programam.

Dizer?
Diz-se muito e demais. Fala-se tanto mas conversa-se tão pouco.
As máquinas não conversam. Falam. Dizem. Criam utilidade.
Mas não sentem, não amam nem conversam.


Porque se sentissem, conversassem ou amassem era certamente humanos. Porque só o Homem ama.
Cria. Destrói. Ama. Odeia. Glorifica. Derruba. Sente. Esquece. Aproveita. E falha.


O Homem cria as suas máquinas e com elas, se estas falham, cria as falhas delas. Mas as falhas que cria, são conhecimento. São erros mas saber futuro.
Quando se erra já se sabe que o caminho não é por ali.

Cria-se e erra-se. E tem-se consciência do que se é.
O Homem cria e ama a criação que saiu de si. Orgulha-se e felicita-se. E vive com os outros e ás vezes para os outros.




Se falha foi porque tentou.
Porque quem não tenta não falha
nem alcança nada.

AnaCatarina.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

women.



A man can have a woman and love her.

A man can have a gun and he can like it.
 A Man can have a gun and kill someone or kill himself.

But if a man loves a woman, he can't kill anyone, just himself. -AC



Há alguns dias disseram-me que as mulheres eram a coisa mais perigosa do mundo.
Bem, não acredito que sejamos assim tão temíveis, mas alguma razão ele há-de ter.
Podemos, hipoteticamente (e baseada na opinião de alguém) designar as mulheres como as SS.
SS porquê? Porque na opinião dele, as melhores ou as piores armas das mulheres – armas estas que nos conferem o título de maior perigo – são a Sensualidade e a Sedução.


Nem todas as mulheres as usam por norma, mas quando queremos algo, com muita vontade, há que saber dispor do que nos foi oferecido pela natureza.
As mulheres não têm nada a ver com beleza exterior. Bonitas ou foram dos padrões, usam-se outros trunfos. Trunfos de personalidade.

Nem todas as mulheres querem, mas a maioria quer alguém que as faça sentirem-se ainda mais especiais do que merecem.
Alguém que as faça sorrir sinceramente ou mostrar um sorriso enviesado, alguém que as deixe suspensas com um poema, uma canção, uma frase, um olhar…
Não querem o mundo mas gostam que alguém mostre que lho poderia dar, porque ela o merece e porque ele a ama o suficiente para isso.


Mulheres gostam de sorrisos e de mãos dadas, de olhares travessos e gargalhadas comprometidas.
Gostam que as seduzam levemente, sem ponta de arrogância, prepotência ou possessão.
Gostam de amar. E para isso e quando isso, em horas de dificuldades, fazem uso do título. SS. Porque as armas foram feitas para tempos difíceis e nunca ninguém disse que o amor era fácil.


Nem sempre resultam e quando resultam nem sempre é para sempre.
Mas acabam por resultar uma, duas, três, quatro, cinco vezes …
Até que há-de chegar ao ponto perfeito. A mulher usa a melhor frase, o sorriso mais encantador, ao mais profundo olhar, ao perfume mais convidativo, à dança mais abrasiva, ao tocar mais marcante… Em resumo, à sedução perfeita.


Não se oferecem. Mas são capazes de mostrar os defeitos e as qualidades de uma maneira cativante, doce, suave e hipnotizante, conjugando a sensualidade da sua personalidade com a sedução do ambiente criado.


O que quer então uma mulher? Quer o mundo e todo o resto. É com certeza um conceito subjectivo aquele que têm, temos, do mundo.
Mas é um mundo onde é legal o uso propositado de armas. E é um mundo onde as mulheres nem sempre vencem mas onde também não morrem em combate.

Ac.



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

assim assim.

Li recentemente um livro que começava quase todos os capítulos assim “Antes não havia nada. Antes não havia Deus. Antes de Deus não havia nada”.



Fez-me pensar em várias coisas.



Às vezes há tudo outras vezes há nada. Normalmente há sempre nada e depois qualquer coisa aparece e transforma o nada em tudo. E às vezes, nada que entretanto já fora tudo, volta a nada, volta a cinzas e a pó.


E a esse pó, do qual somos todos criadores, todos somos alérgicos. Alérgicos à criação, não do tudo mas do nada, porque ninguém quer ter um nada, um nada é frio e só e vazio e triste e estranho. Ninguém vive no nada.


Quando temos nada estamos um bocadinho mortos. Ou a morrer ou a ressuscitar depois da quase falência.


Às vezes temos tudo. Temos os sorrisos, as promessas, os risos, as alegrias, os gritos e as emoções, os amores, as melhores amizades e as amizades eternas, os sonhos, os horizontes e as certezas.


Às vezes temos nada ou quase nada. Temos sorrisos vazios e leves, esvoaçantes. Temos alegrias projectadas em quando ainda havia tudo. Temos gritos e emoções e amores tristes. Às vezes quando temos nada não temos as melhores amizades e as amizades eternas, que ficaram com tudo. Os sonhos, os horizontes e as certezas estão debaixo do pó em que as certezas, os horizontes e os sonhos se transformaram.


Quando temos nada temos frio. Há cinzento e escuro, andamos em caminhos onde o acendedor de candeeiros que o principezinho conheceu não iluminou. Há casas, pessoas, caminhos, escolhas iguais, umas às outras. Quando há nada temos sempre alguma coisa. Mas são coisas que são nada. Porque o nada é triste. E o tudo é aquilo porque nos damos. O tudo, quando há tudo, até podemos nem ter nada, porque afinal, quando há tudo, nada importa.


Mas nem sempre há tudo. Às vezes há pó. E como somos alérgicos, ficamos vermelhos e choramos.


AnaCatarina




terça-feira, 10 de novembro de 2009

Hoje ouvi-te cantar

Sabes uma coisa? Hoje ouvi-te cantar. Estavas meio distraída, parecias nem reparar no mundo à tua volta. Murmuravas uma qualquer letra de uma música americana e de vez em quando abanavas os ombros quando o ritmo assim o exigia. Que engraçado, nunca te tinha visto tão espontânea. O normal seria ver-te de cara envergonhada, os olhos a mirar o chão e com o cabelo a tapar-te a cara como se isso te protegesse das pessoas que te interpelam. No entanto hoje apanhei-te desprevenida... E como eu gostava de te ver sempre assim, desprevenida! Olha que o mundo pode não ser exactamente como as músicas americanas, mas também não lhes fica nada atrás. E podes sempre criar uma nova música. Manténs a melodia e mudas a letra! Podemos cantá-la os dois se quiseres.

Pronto, lá estou eu a falar contigo como se tu me conseguisses ouvir! A verdade é que nem sequer estás a reparar que te estou a observar. Por um lado, até quero que repares em mim, mas por outro sei que não te mostrarias tão natural e disponível. Provavelmente paravas de cantar abruptamente, encolhias e cabeça, mudavas de direcção e da próxima vez que me visses fazias de conta de que não me reconhecias.

Às vezes não te entendo. O que te assusta tanto nos outros? Eu não sei responder a esta pergunta. Talvez um dia tu me expliques quando tiveres paciência. Imagino-te daqui a uns anos, numa reunião importante da empresa onde trabalhas. Apresentas um projecto a uns clientes internacionais. Falas a língua que tanto utilizavas em tempos para cantar as tuas músicas americanas. No entanto, mostras-te envergonhada, com a cara direccionada para o chão. O teu tom de voz tão baixinho como sempre foi e o teu ar de pavor a apoderar-se da tua expressão sem que consigas controlar.

É claro que isto é só imaginação. Na realidade, daqui a uns anos, serás uma mulher completamente diferente. Talvez mais confiante que a maioria e com um à vontade impressionante. Toda a gente muda e tu não serás excepção.

Mas sabes que mais? Por agora vou continuar a aproveitar este momento. Ver-te assim tão livre e desprotegida não é fácil. E se queres que te diga, ficas linda desta forma e esse abanar de ombros está cada vez mais convincente. Vá, não pares, continua!

Talvez um dia te conte que hoje te observei, mas hoje fico-me calado. Não quero que te chateies.

Agora vou tentar não denunciar a minha presença... Ah, e já agora, para quem está sempre calada, não cantas nada mal! E eu a pensar que nunca iria ver este teu lado tão adorável...

rotação.

Às vezes parece que o mundo parou por breves segundos. É raro que a vida dê descanso. É raro não ter decisões, escolhas, responsabilidades, explicações, preocupações, angustias, desejos, objectivos a cumprir…



E quando de vez em quando o mundo faz uma pausa, não pode existir melhor sensação.

Pode ser noite escura e além de duas respirações ofegantes não se ouvir mais nada debaixo de um céu bonito, próprio de quem ama.
Pode estar sol e ser verão e podemos encontrar num passeio à beira mar com as sandálias na mão e os olhos no horizonte, a calma que a rotina retira.
Pode cair a primeira chuva de Outono e deixar aquele cheiro a terra molhada, enquanto cantam as cigarras e nós temos todos os sentidos bem no auge da perfeição.
Pode estar no ar a música favorita, uma fragrância suave a pêssegos cor-de-rosa ou podemos dançar a dança mais meiga que já tenhamos dançado.
Pode ser enquanto observamos um bebé a rir, um casal idoso que caminha abraçado, uma declaração apaixonada, uns pais dedicados, um momento de ternura desmedida entre crianças pequenas e diferentes…


Há momentos em que o mundo deixa o movimento de rotação para depois. E aí, somos nós quem rodopia.


Podemos fazer uma pausa com o mundo durante uma dança quente, enquanto trocamos um olhar que nos leva a respiração, quando sorrimos escondidos, quando recebemos uma óptima noticia, quando pulamos de alegria, quando nos abraçamos num abraço apertado a alguém que nos diz imenso.

 
O mundo de vez em quando pára para que possamos dançar com ele.

E quando sentimos o peito apertado sem espaço para tanto sentimento, sentimos necessidade de partilhar e gritar ao mundo que é o melhor parceiro de dança.


Esqueçam lá o movimento de rotação. A melhor dança, o melhor rodopio, é aquele que faz o mundo parar e voltar a girar. E são estes movimentos únicos e de todos que realmente põem o mundo a rodopiar.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

calçada.

Nunca pensei que as pessoas importantes passassem.
Não falo daquelas que conhecemos e com quem convivemos algum tempo e que deixaram saudades, poucas ou muitas, quando foram.
Refiro-me àquelas que viveram connosco. Que souberam de cada passo ou de pelo menos da maior parte, de cada dúvida, de cada segredo bonito ou angustiante, de cada desejo e de cada objectivo a cumprir. Falo daquelas que sabiam com que pensamento olhávamos as coisas e que adivinham sempre o que queríamos receber. Daquelas que se sentavam ao nosso lado e nos sorriam ou choravam e que mesmo assim, ali ao lado, eram felizes connosco. E nunca com um “sem”.



Fizemos planos e planos. E nunca tivemos duvidas que seriam para cumprir. Tivemos o céu e a estrada como certa, muito certa e segura. Definimos as nossas acções futuras e jurámos que seria para sempre. Sempre!
Quanto é que dura o sempre?
Para mim o sempre é depois do nunca. Não há fim, não há conhecimento, não há despedida. Porque o sempre era para sempre e depois disso.


Mas as pessoas passam. Passam como passamos pela calçada das ruelas de Coimbra e depois de passar fica só a sensação de “já passámos por ali”. Na calçada moram mil e milhões de sensações dessas. E elas aguentam. Mas as pessoas que ali passam não cativam as calçadas, porque se as cativassem as pedras sentiram mais quando não sentissem as pessoas especiais passar por ali. Para as pedras da calçada, as pessoas especiais são mais azuis e mais cinzentas que o céu acima, são mais frias e mais suaves que as brisas fortes do inicio do tempo em que chove, são mais fortes que o calor branco e agreste que sente e se inala nos tempos das cerejas.


Como seria se a calçada perdesse o céu, o vento e o calor? Ou perdesse o inverno, o verão e as outras estações em que os comboios não param mas em que o tempo também anda?


São raras as pessoas que cativam as calçadas, mas quando o fazem e depois mudam a caminhada, lá se vê um ou outro paralelo despegado, sem raízes, sem rumo. Só fica conotado como um estorvo, como uma pedra imperfeita, como algo desprovido de sentido e utilidade.


Também são raras as pessoas que nos cativam. São o sol, a chuva, o vento, o mar, as nuvens. São o porto seguro e o mais desejável segredo. A mais pura das verdades e a mais doce tentação. Não há tudo, mas elas serão uma imitação real de um protótipo semi-perfeito do tudo. E quando se perde o tudo, ficamos como os paralelos da calçada.


Porque uma vez cativados e depois apenas esquecidos ou a esquecer, ficamos sem o sol, o mar e céu. Ficamos sós, a calçada, os outros e eu.


Mas o sol ainda brilha, o céu ainda está onde devia estar e o vento ainda se ouve murmurar. O mundo gira e nós estamos cá para ficar. E cativar !


AnaCatarina.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Enigma


"A Felicidade exige Valentia"
"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes mas, não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que ela vá à falência.


Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.


É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oasis no recôndito da sua alma.


É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da Vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não".

É ter seguranca para receber uma crítica, mesmo que injusta. Pedras no caminho?


Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."


Fernando Pessoa


Sempre gostei de livros sobre códigos e enigmas e nunca percebi bem porquê. Mistérios por desvendar, contratempos inesperados, perigos eminentes e romances à mistura. Hoje percebo porquê. Talvez porque a vida é também um grande enigma por desvendar. Todos nós ansiamos por algo que não sabemos exactamente o que é. Queremos o amor, mas nem sequer o sabemos definir. Queremos a amizade, mas também não a sabemos caracterizar. E quando temos alguma das coisas que desejamos, faltam-nos sempre as restantes. Nunca estamos satisfeitos. Quando não se tem nada, quer-se tudo e quando se tem tudo têm-se a sensação que talvez seria melhor não ter nada. Caramba, porque somos tão complexos?! O que fazer para controlar esta insatisfação?


Há quem diga que é nos pequenos momentos, aqueles que por vezes ignoramos, que se encontra a verdadeira felicidade. Fernando Pessoa dizia "O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis". E realmente é verdade. Um sorriso, um abraço, um jantar especial, um beijo, um passeio ao luar, um olhar comprometido… Tudo isto são manifestações da felicidade que está codificada no enigma que é a vida.


No entanto, depois de chegar à conclusão que a vida se assemelha a um enigma por desvendar, descobri que esse enigma está infinitamente encriptado. No entanto, vale sempre a pena tentar desvendá-lo, porque é nisso que consiste a vida. A vida não teria significado se tudo já estivesse determinado e conhecido por nós à partida. É por isso que quero continuar a formular hipóteses, a riscar as que não são viáveis, a errar vezes sem conta, a aprender dessas experiências e a ter de vez enquanto pequenos momentos de felicidade que me fazem crer que chegarei à solução.


A vida é um livro de capa dura em que os capítulos deixam sempre o final em aberto.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Pausas.

Ultimamente tenho perdido a escrita. Vou escrevendo em folhas soltas e depois adio a sua codificação. Deixo de escrever aquilo que elaborei mentalmente porque não tenho tempo, oportunidade ou vontade. E vão-se passando dias. E dias.



E custa não escrever. Porque desde há muito que o faço. Há muito que escrever e escrever para os outros lerem se fez um bom hábito. Um hábito que quero conservar.


Portanto, deixar de escrever é como se me estivesse a perder aos pouquinhos. Pode ser difícil para quem não costuma escrever compreender até que ponto a escrita pode ser importante.


É simplesmente assim. Em cada texto que escrevo, seja ele mais ou menos extenso, seja ele mais ou menos sentimentalista, seja ele o que for, há sempre um pedacinho de mim que sai para o exterior. Algumas das personagens que refiro são baseadas em amigos, conhecidos e familiares; amores e desilusões são quase sempre de experiencia própria ou bem perto disso; as reflexões sobre um tema, seja qual for, são sempre um tema que me diz alguma coisa.


Em cada texto há sempre algo que só eu percebo, porque tudo aquilo é apenas fruto de mim. Do meu consciente, da minha sensibilidade do meu estado de espírito. Dos meus conhecimentos e das minhas falhas no saber.


Acho que alguém que leia o que escrevo pode conhecer-me bem. Porque afinal, eu demonstro-me nos textos. E quem lê sabe. Pode é não ter consciência disso.


Há por isso muito de mim em cada linha, em cada página, em cada texto…


E há muito também, nas pausas que faço na escrita. Nos dias em que não escrevo. Naquilo que prefiro não escrever.


Há nas pausas uma razão. Um desconforto confortável. Uma ausência penosa. Um celibato insensível que se adia quebrar. Uma pauta vazia que o compositor se recusa a enfeitar. Há tudo isso e muito mais. Cabe lá tudo, no vazio.


Mas é assim mesmo. Ás vezes escrevemos porque estamos bem ou mal, ou tristes ou apaixonados, ou felizes ou desapontados, e queremos que as pessoas saibam disso, ainda que nem se apercebam. Ás vezes não escrevemos porque estamos bem ou mal, tristes ou apaixonados, felizes ou desapontados e não queremos que as pessoas, ainda que possam nem se aperceber, se apercebam.


E custa. Porque aquilo que em outros momentos deixamos sair, fica nos dias em que não escrevemos, cá dentro, a pesar.

Catarina.

sábado, 10 de outubro de 2009

muito amor em muitos amores.

Era uma vez o amor. Era uma vez uma rapariga. Era uma vez uma história.



Tinha olhos escuros e o cabelo liso caído pelo meio das costas, os lábios finos e claros desenhavam-lhe imensos sorrisos sinceros e era das poucas raparigas que gostava de ir em pé nos autocarros e que adorava caminhar em passo acelerado pelas calçadas. Chamavam-lhe Madalena.


Ele era imprevisível, arrebatador, fulgurante e pouco sensato. Mas também sabia ser sincero, meigo, terno e romântico. Fazia-a suspirar, revirar os olhos e imaginar mil e muitos cenários queridos. Também a deixava louca, esvaída em equilíbrio, confusa e com o ego em queda.


Chamavam-lhe amor, e noutros dias também paixão e ódio e nomes assim.


A Madalena e o amor tinham uma grande história.


Madalena desenvolveu ao longo da sua vida uma propensão ultra dimensional para amar. Amou os pais e toda a família mais próxima, amou as barbies das quais cuidava com primor, amou as amigas que passavam fim de semanas com ela, amou os ursos de pelúcia e os estojos de maquilhagem que lhe ofereciam nos anos em estojos de cetim cor-de-rosa. Mais tarde amou os livros de aventuras que começou a ler e apaixonou-se pelo seu colega de carteira.


Amou de novo e novamente e depois outra e outra vez. Pelo meio e enquanto estes amores, amou as melhores e os melhores amigos, amou a escrita e a música, amou os sonhos e as fantasias, amou os segredos, amou os vícios e a melancolia.


Depois do ultimo amor quente, foi amando. Deu continuidade a todos os amores que mantinha religiosamente de há longos anos. Mas depois do ultimo e forte amor, deixou de amar para ir amando, diária e ocasionalmente. Ainda ontem, julgou ter encontrado no livro que comprou sobre a vida romana dos romanos em Roma na época do império Romano um amor sincero. Mas depressa se desiludiu. Era um amor dispendioso.


Mas voltou a amar e dessa vez, quinze minutos depois de uma desilusão, soube que naquele momento diria um alto sim a tudo o que lhe quisesse pedir aquele rosto. Era médio, moreno e tinha um piercing. Achou-o perfeito assim que o viu. Tinha um rosto sereno e fiel, umas mãos fortes e um olhar profundo. E soube que estava apaixonada quando o ouviu ceder o seu lugar para uma senhora quarentona, numa voz simpática e sincera, forte e branda, leve e perfeita. Teria ficado com ele para sempre, naquele momento. Mas as viagens de autocarro têm sempre uma paragem. E Madalena saiu antes dele.


É claro que Madalena voltou a amar. Mudou de penteado, mudou de amigos, mudou de expectativas e mudou de amores. Mas amou sempre e sempre soube que nem todos os seus amores seriam para sempre.


E era assim que Madalena e o amor tinham uma história.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

av.'

Há bastante tempo que já não escrevia aqui no blogue. Foi uma ausência prolongada, condicionada por inúmeras razões, todas elas com muita e pouca razão de ser, mas que me deixaram sem saber sobre o que poder dizer.

Então, para quebrar o silêncio, hoje venho aqui escrever sobre alguém. Não é alguém mundialmente famoso mas estou certa que é bastante conhecido. Vou falar-vos do André.

De seu nome, André da Maia Júlio Marques Vidal, nasceu a 24 de Setembro de 1991 e é por isso, nativo do signo Balança. Segundo os meus conhecimentos limitados ( e segundo aqueles que são divulgados em sites sobre astrologia), as "balanças" são pessoas gostam de agradar, conseguem sentir-se no lugar dos outros, tentam ser justos e são seres muito sociáveis, além de que são mestres nas lides de casa. Eu até acho que o André se adequa aqui.

Quem conhece sabe, mas quem não o conhece não tem ideia do tipo de pessoa que é o meu xuxu.

É das melhores pessoas que já conheci. Não sei se foi por ter nascido "balança" mas ele é super correcto, educado, sensato. Tenta sempre fazer o melhor possível e tem em atenção os outros. É justo e imparcial e sabe analizar as situações de um modo ímpar, mesmo que nessa se inclua um dos seus melhores amigos. É sociável? É. Faz conversa com toda gente e fala sobre qualquer coisa, porque é imensamente culto. Sabe sobre música, sobre política, economia, fofocas, cinema, literatura e agora, até sobre futebol. Mas é um bocado reservado.

O André luta pelo que gosta. Estudava para a escola, aplicava-se nos projectos e nos trabalhos e quando não o fazia, conseguia com que toda a gente pensasse que ele fazia. Foi, senão o melhor, um dos melhores alunos da Secundária Marques de Castilho desde 2006 até 2009.

Tem muito jeito para as artes. Escreve e canta bem, e apesar de ele achar que tem, só não tem muito jeito para o desenho.

Faz-me rir e sentir bem, porque é uma pessoa super agradável.

Claro que tem defeitos e dias maus. E nesses dias, não pode sempre proporcionar as piadas a que acostumou quem rodeia. Mas mesmo nesses dias, é correcto.

Sabe ouvir e discutir, tem boas ideias e óptimos príncipios. Tem alguma paciência para aturar situações, pessoas e momentos chatos ou incompreenciveis e além do basket, não tinha grande jeito pro desporto.

Não quis pra ele algo que lhe desse fama, dinheiro ou poder. Decidiu aquilo que realmente queria e que possivelmente mais felicidade lhe daria.

O André? Sabe aproveitar a vida. Apesar de às vezes querer aproveitá-la de outro modo, sabe aproveitá-la da maneira que num dado momento, mais felicidade lhe pode proporcionar. Mesmo que todas as suas vontades não estejam cumpridas num dado momento, ele tenta tirar partido da situação.

E pronto, num jeito resumido é isso.

Boneco, és das melhores pessoas que eu conheço. E tenho imenso orgulho em ti!

Um beijinho, Catarina. *

domingo, 20 de setembro de 2009

Diário Académico, parte 2: A primeira saída

Um jantar de despedida de uma amiga que vai para Paris. Foi assim que começou a noite de ontem, a primeira saída em Lisboa desde que me mudei. Já começo a ficar perito em despedidas devido aos últimos dias. Começo fortemente a recear a possibilidade de qualquer dia dar por mim a despedir-me de tudo sem razão nenhuma, como se fosse um tique nervoso que não consigo controlar.

O jantar teve lugar num restaurante tipicamente universitário. Passo a explicar: em primeiro lugar tinha bebida e comida à descrição, embora as doses de comida fossem insuficientes para a quantidade de pessoas; em segundo lugar, o restaurante era extremamente pequeno e as pessoas ficavam comprimidas em mesas que não tinham mais de dois palmos de largura, o que, apesar de ser desconfortável, nem era mau porque a proximidade facilitava a comunicação. No entanto, ironicamente, tudo aquilo que se conseguia ouvir era dito no tom mais alto possível como se estivéssemos separados por quilómetros, e era qualquer coisa do género “E se a Joana quer ser cá da malta…”, isto num ciclo que dava a volta à mesa à velocidade da luz.

Depois do jantar, confirmei a minha incompreensão em relação às malas das mulheres. Acontece que uma prima minha, após ter obrigado toda a gente a procurar o seu telemóvel, incluindo o empregado do bar, veio a descobrir que este estava na sua mala, onde ela já tinha procurado uma dezena de vezes. Agora eu pergunto-me, como é que isto é possível? Será que as malas das mulheres têm todas um Luís de Matos lá dentro a fazer desaparecer as coisas?!

A seguir a toda esta busca digna de uma série americana dirigimo-nos a custo para o Bairro Alto. Digo a custo porque, quando somos muitos, é difícil fazer avançar toda a gente. O Bairro estava completamente cheio, mas nem assim deixei de ver os habituais vendedores de flores, aqueles que constituem o verdadeiro pulmão de Lisboa. É verdade, se juntássemos todos os “Quer frô?” de Lisboa não tenho dúvidas de que ficávamos com parque natural do Gerês em plena capital. Quando os bares no bairro começaram a fechar fomos para um bar com música rock perto do Cais do Sodré, só para não deixar morrer a noite. A partir deste momento deixei de me queixar do restaurante. Este bar tinha tanta gente lá enfiada que eu dançava conforme as quatro pessoas que me rodeavam se mexiam, como se fosse uma pequena marioneta sem qualquer livre arbítrio.

No final cheguei a casa às 7:30 da manhã com a roupa a cheirar a noite (tabaco e álcool) e com uma cama que me esperava pacientemente. É verdade, não saiu dali até eu chegar. Mas ainda bem, porque era exactamente o que eu precisava.

Hoje, depois de uma vitória (também esta a custo) do nosso Benfiquinha, estou de bom humor e com coragem para enfrentar as praxes de amanhã.

Fiquem atentos porque eu vou estar por cá para vos contar!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

pois.

Sempre me habituei a rotinas. Por exemplo em tempos habituei-me a escrever constantemente aqui. Depois, quando a rotina se tornou demasiado abusiva, tirei férias das repetições. Revoltei-me com a escrita e a inspiração deu folga. Mas como entretanto me deparei com outra rotina, a de não escrever aqui, acho que está altura certa de a quebrar!

É verdade, sou caloira! Entrei na Faculdade de Direito, na Universidade de Coimbra. Foi a minha primeira opção! E fiquei feliz quando soube às 02h da madrugada de sábado, ao visualizar o meu nome no pequeno ecrã, que me informava colocada na FDUC. Fiquei feliz porque tinha sido bem sucedida naquilo que queria. Estive feliz no sábado, estive feliz no domingo e na segunda-feira também. Na terça-feira, quebrei a rotina recém instalada.

Ser caloira tem um significado importante. Significa que estamos no inicio de uma nova fase da nossa vida. Provavelmente vamos ficar mais independentes, vamos amadurecer e aprender uma quantidade exorbitante de coisas novas. Quem vai pra longe sai de casa, tem que se virar sozinho. E foi por isso que na terça-feira não estive feliz! Procurar sitio para morar não é só dizer, vou ficar aqui! Exige pesquisa, insistência, preserverança, esperança, confiança. Fiquei desapontada. Nada do que vi correspondeu às minhas expectativas. Acho que queria uma espécie de casa igualzinha à minha mas em ponto mais reduzido. Só que dessas não havia pela cidade dos estudantes.

Então, cumpri o dever moral de um caloiro! Chorar! Chorei e não foi qualquer coisa. Foi com convicção. Por saudades antecipadas, por saudades daqueles que já não vejo à muito tempo, por saber que se avizinham tempos carregados de mudanças e novidades. Não vou conhecer todos os meus vizinhos de Sta Clara, não vou poder esperar encontrar certas pessoas em certos sitios, porque ainda não conheço nem certas pessoas nem certos sitios. Vou ter que cozinhar, arrumar, acordar cedo para preparar o pequeno-almoço e mentalizar-me para ter umas cadeironas de Direito, vou ter que gerir melhor o tempo entre estabelecer contactos com os antigos e com os recentes amigos, matar saudades dos pais, desempenhar o papel de dona de casa e associar tudo isto à personagem de uma estudante empenhada e esforçada no curso de Direito.

Vai custar, vai ser bom, vai acabar por ser uma rotina.

Hoje, só pra quebrar a monotonia dos dias de ausência, deixo aqui impregnadas as melhores lembranças dos ultimos três anos. As conversas sinceras e sensatas, as conversas estúpidas e sem nexo, as sessões de fotografias, os furos de aulas, os jogos de sueca italiana ou sobe e desce, os estudos improvisados nas vésperas de testes. Vou ter saudades e já tenho, dos sorrisos. Dos cúmplices, dos timidos, dos 'já fizeste ou tás pra fazer', dos 'também reparaste no mesmo que eu', dos sinceros, dos 'adoro-te', dos 'és tão querida/o' ou ainda 'não percebi nada, mas tá bem'. Vou ter saudades dos bons dias e dos maus dias que se cumprimentam ainda assim. Mas faz parte de uma fase nova. E eu quero esta fase. Portanto, fico com as novidades e com as saudades e guardo tudo bem enfiado num bolso.

Sempre.

Diário académico, parte 1: A matrícula


Sou oficialmente caloiro. É verdade, matriculei-me ontem no curso de Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Para muitos ser caloiro é a melhor coisa do mundo, mas para outros é tão mau como partir um braço. Não sei como vai ser daqui para a frente (até tenho boas expectativas), mas o início foi indubitavelmente desagradável. Acontece que tentar ser caloiro não é fácil nas universidades portuguesas. Filas e mais filas de espera se espalhavam pelos pisos da faculdade como as formigas à volta da migalha. É impressionante como custa matricularmo-nos no Ensino Superior.

Tudo começou no piso 0. Inicialmente o que tive de fazer foi escrever o meu nome numa folha e esperar que me chamassem. Nada complicado. “Isto vai ser rápido e fico já despachado”, pensei eu. Mas quando me chamaram já a minha mãe tinha fumado metade do maço. Só que o pior nem foi isso. Quando falei com a senhora é que percebi que uma imensidão de pisos se seguia no “processo” (sim, foi esta a palavra que ela utilizou, o que me fez perceber que o que me aguardava não seria nada encantador).

Lá fui eu para o piso 3 fazer o pagamento. Depois para o piso 5, ao departamento de Comunicação para saber horários e turmas. E finalmente para o piso 1 entregar uns papeis e fazer o cartão de estudante. Nisto três horas se passaram, uma floresta foi abaixo devido à quantidade exagerada de papelada que tive de preencher e fiquei com uma tremenda dor de cabeça que não me largou o resto do dia. Mas saí de lá mais leve, isso saí. O pior é que não foi de preocupação, foi mesmo de finanças.

A conclusão que tirei disto tudo foi que isto está bom é para os vendedores. Quando cheguei ao final do “processo”, eu já assinava qualquer coisa. O rapaz que me estava a fazer o cartão de estudante teve que me explicar algumas coisas uma dezena de vezes porque a minha cabeça já não assimilava fosse o que fosse. Acho que se depois de todas estas fases chegassem ao pé de mim e tentassem vender um carro eu não hesitava. Desde que saísse dali o mais rápido possível...

Mas o que interessa é que já me matriculei. Sou finalmente caloiro. Conheci já alguns alunos do 2º ano do meu curso. Pareceram-me porreiros, mas fizeram-me uma pergunta um bocado idiota: “Gostas de cerveja?”. Enfim, nem vou comentar. Decorei só três nomes, mas não acho que a memória dure até Segunda-Feira. Um era Gonçalo, o outro Bernardo e o último era o Maia. Este último decorei porque eu também sou Maia e ele reforçou severamente o facto de só poder haver um Maia no curso, que era ele. Não me importei, desde que não me chamem “Júlio” tudo óptimo.

Agora só falta mesmo é começarem as aulas, conhecer pessoas e frequentar as praxes. Estou ansioso por essa parte. Fiquei contente por ter um horário bom. Sexta-Feira livre parece-me ideal para um Caloiro que precisa das noites de Quinta-Feira para se animar. Vamos ver se esta vida de universitário é tão boa como dizem. Já tentei convencer os meus pais que deixar uma ou duas cadeiras para trás é normal, mas não sei se colou. Enfim, continuem a acompanhar que eu prometo que contarei cada passo desta nova aventura que é ser Caloiro.

Até à próxima!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Vale de Coelha

Caros leitores. Hoje tenho-vos a dizer que me vou ausentar novamente. Vou amanhã para o fim do mundo, literalmente, como podem ver através do vídeo que publiquei. Acho que vou ter finalmente a opurtunidade de perceber o sentido da expressão "Vai para o raio que te parta". Se me disserem isto hoje, não vou ignorar o pedido.

Vale de Coelha é uma freguesia portuguesa do concelho de Almeida, com 5,86 km² de área e 48 habitantes (dados de 2001). Densidade: 8,2 hab/km².
Vale de Coelha é uma pequena aldeia da Beira Interior Portuguesa, junto a Espanha. Vive essencialmente da agricultura e pecuária.

Pelo que pesquisei irá certamente ser uma viagem interessante. Seis amigos, 48 idosos e muitos animais para a mistura!

Desejem-me sorte e até à próxima (se sobreviver, claro)

Já não desespera, porque já não espera.

O tempo passa, vai passando. Já demorou a passar, já passou depressa e às vezes parece que passa sem nos deixar passar com ele.



E quando assim é, que ficava eu a fazer enquanto o via partir?


Sentava-me e esperava que desse a volta a que estava destinado. Permanecia sentada e ia-me resignando com a espera e com a incapacidade de resolver os problemas que tinha classificado como impossíveis.


Às vezes, parecia-me sentir a volta do tempo e batia galopante a esperança de ficar com ele ali ou de partir com ele para longe assim que chegasse.


Fui perita em esperas. Toda a vida senti e aguardei que passasse. E senti e confiei que sentissem comigo. Conheci muitas salas de espera e muitos motivos para esperar. Tornei-me numa especialista em causas impossíveis e soube ficar sentada à espera que o tempo levasse os sentimentos com ele ou me livrasse a mim do desconforto daquelas cadeiras de cabedal.


Mas o tempo passa. E com ele passam os cenários, os filmes e as personagens secundárias passam quase todas também. E quando o tempo passa há, muitas vezes, que reajustar o elenco principal.


Hoje, não espero mais. Vou andando, num passo leve e delicado, meço o equilíbrio, levo os meus valores e ponho os sonhos atafulhados nos bolsos. Não vou a correr. Afinal, não há que ter pressas porque não vou atrasada. As pausas que fiz, sei agora, foram importantes para aprender a andar com o tempo.


Hoje, não vou sentar-me nem esperar. Se achares que ainda vale a pena, corre. Eu não vou longe ainda e tu ainda me apanhas.



terça-feira, 1 de setembro de 2009

Tecnologia




Descobri há uns dias atrás que a tecnologia anda a fazer das suas. No outro dia, pensava eu na minha inocência, fui para um normalíssimo almoço de família, daqueles em que os mais jovens ficam numa mesa a falar sobre séries de televisão e novas estreias cinematográficas e os adultos ficam noutra a discutir assuntos de política até à exaustão.

No entanto, para minha surpresa, não foi nada disso que se passou. Assim que cheguei, houve logo um membro da família que me perguntou entusiasticamente “Queres ser da minha máfia?”. No início estranhei a pergunta e pensei para com os meus botões “Meu Deus, esta família enlouqueceu de vez!”, especialmente por se tratar de uma família repleta de magistrados que, de um momento para o outro e com a maior naturalidade possível, falavam de armas e assaltos como se da vida deles se tratasse.

Passado o susto inicial lá perguntei o que era aquilo da “Máfia”. Ao que parece, e pelo que me explicaram, é um jogo do Facebook que se chama “Máfia Wars” e que todos começaram a jogar. É verdade, o Facebook apoderou-se da minha família, sem eu me aperceber minimamente. Está tudo viciado num jogo sobre gangs e assassinatos e não falam noutra coisa além disso.

Curioso, no dia seguinte, quando cheguei a casa, lá fui ver como funcionava o tal jogo. Já tinha ficado em choque quando soube que a tecnologia tinha chegado até à minha família (e eu que nem tenho Facebook!), mas assim que vi a minha tia com o nickname de Don Júlio, não aguentei e a depressão abateu-se sobre mim.

Como foi possível deixar isto acontecer? Estava tudo tão bem! Duas mesas, duas gerações e dois temas de conversa. Receio fortemente que qualquer dia terei de ser eu a informá-los sobre a data das eleições ou a comprar os jornais lá para casa. Sim, qualquer dia vão ser os filhos a impor horários para os pais estarem no computador ou a ver televisão. Ainda vai chegar a altura em que vou ter de pensar em castigos e a dizer “Vai já para o teu quarto estudar. Ficas sem Internet e sem televisão no próximo mês!”

O bicho-de-sete-cabeças que era o computador e a Internet para os mais velhos, deixou de o ser. Já lá vai o tempo em que a minha mãe me perguntava como se ligava o computador. A tecnologia deixou de ser somente acompanhada pelos mais jovens. É uma realidade e temos que nos habituar a ela. Mas, já que os almoços e jantares de família não vão mais voltar a ser o que eram, só espero não ter de passar o Natal com a família através da webcam! Não seria capaz de perder a tarefa de construir o presépio ou de enfeitar a árvore de Natal. Faz parte da tradição! Que horror, qualquer dia a minha avó ainda me vai apelidar de conservador só por dizer isto.

A maioria das pessoas ficaria contente por ter uma família moderna que percebesse destas coisas, mas essas pessoas não sabem do que falam. Cada qual no seu lugar! Era tão bom falar sobre o youtube sem que ninguém percebesse. Mas agora é totalmente impossível. Quando descobrirem o Twitter ainda me vão ouvir dizer “Epá, sou novo de mais para isso”. Antigamente diziam bem de um adolescente se ele soubesse falar sobre política e sobre o estado do país. Hoje em dia, já nada disso interessa. Se eu demonstrar à minha família que consegui atingir o top 10 num jogo online, tenho a certeza que ouvirei mais do que um comentário do género “sim, senhor…este puto vai longe”.

As gerações são cada vez menos distintas e é cada vez mais difícil controlar o poder que a tecnologia exerce sobre as nossas famílias. Estejam atentos porque qualquer dia pode ser o vosso pai a pedir-vos uma playstation como prenda do seu aniversário!

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Futebol


Sim, já sei que não tenho escrito no blog!
Sim, eu sei que têm sentido a falta dos meus textos!
Sim, prometo que voltarei a escrever com frequência!



Bem, passando a parte em que peço interminavelmente desculpa por ter abandonado o mundo da blogosfera por uns tempos, tenho-vos a dizer que valeu a pena esta ausência porque as minhas férias foram absolutamente fantásticas. Entre Porto Covo, Albufeira, Lisboa ou Praia da Barra; entre festas, jantares, saídas à noite e dores de cabeça no dia seguinte, aconteceu-me algo que nunca esperei que me acontecesse e foi apenas há uns dias atrás. Estão prontos? Tornei-me benfiquista.


É verdade. Eu nunca tinha entendido muito bem o mundo de futebol. Sempre me meteu confusão o facto de o desporto-rei estar incluído na máxima de Salazar “Fado, Futebol e Fátima”. Afinal o que tem de tão especial este jogo que movimenta multidões?



Antigamente, o que me ocorria quando alguém falava em futebol era a imagem de um jogo idiota em que 22 jogadores correm 90 minutos atrás de uma bola que estupidamente não conseguem colocar dentro de uma baliza cujo comprimento vai de uma ponta a outra de minha casa. Intrigava-me o facto de haver tanta gente a ser paga só para jogar um desporto tão simples e rudimentar.


Sempre fui daqueles que não tomava parte nas discussões sobre futebol. Clubes, resultados, faltas, penalties, árbitros, cartões vermelhos, transferências ou treinadores…nada disso fazia sentido na minha cabeça. Não me interessava nem um pouco. Acho que nunca soube mais do que três jogadores do Benfica e sempre fui aquele ignorante que perguntava inofensivamente o que era um fora de jogo. Nunca obtinha resposta, apenas uns quantos olhares reprovadores. Comecei a não perguntar nada e a concordar com a maioria nas tais discussões de café (sem fundamentar a minha opinião, claro!).


Sempre considerei o futebol um mundo machista, ao qual os homens atribuíam demasiada importância. Hoje em dia o futebol serve de desculpa para tudo. Quando joga o Benfica ou qualquer outro clube dos grandes, não interessa se há casamentos, baptizados, funerais, o aniversário da mulher ou qualquer outro assunto de maior importância. O futebol está sempre em primeiro lugar. A agenda fica à partida preenchida com o horário do emprego e o horário das jornadas. Não há fins-de-semana. Sai-se da praia mais cedo porque dá o Benfica. Adia-se a ida ao médico porque dá o Benfica. Não se vai jantar fora porque dá o Benfica. Já para não falar dos dias em que decidem não só acompanhar o jogo do Glorioso, como o de todos os outros clubes, mesmo de ligas internacionais. Desde que o Cristiano Ronaldo foi para o Manchester ou o Mourinho para o Chelsea, que se tornou imperativo acompanhar todos os passos do futebol mundial.


Uma vez cheguei mesmo a ir assistir a um jogo ao estádio do “Glorioso”. Acho que foi mais um esforço do meu pai e dos meus irmãos para me converterem num benfiquista ferrenho. Não deu resultado. Quando cheguei à bancada perguntei-me o que raio ía eu ver daquela distância, o relvado?! Tentei integrar-me no ambiente de excitação e emoção em que se encontrava toda a gente à minha volta, mas foi-me totalmente impossível. Já para não falar de todos aqueles cânticos asneirentos que sempre considerei desnecessários… Acho que foi o dia em que bati mais palmas sem saber o motivo. Nunca percebi porque é que os adeptos aplaudem mesmo quando o jogador falha o golo! Tudo bem, foi boa a jogada, mas falhou! Querem que falhe outra vez?


Bem, mas tudo isto foi antes! Rendi-me finalmente ao mundo de futebol. Comecei por ver um jogo no outro dia, acompanhado de uma cervejinha e de uns tremoços, ladeado pelos meus primos. E não é que gostei? Passado meia hora já nem me reconhecia. Dei por mim nervoso quando a bola se aproximava da nossa baliza e soltei mesmo uns valentes “ahh” de insatisfação quando falhávamos. Talvez tenha sido demasiado crítico durante toda a minha adolescência. Dei uma oportunidade ao futebol e resultou. Espero, contudo não chegar à fase dos palavrões e é obvio que não irei abdicar de um fim-de-semana romântico apenas porque dá jogo… Mas ver um jogo quando posso não ofende ninguém e até é divertido.


E eu, que sempre fui o estúpido que não sabia o que era um fora de jogo…Quem diria!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Amor-Perfeito.


Quando julgamos ter encontrado a pessoa certa, que preço estamos dispostos a pagar para a contemplar?

É fácil listar as características que esperamos encontrar na pessoa ideal. O meu por exemplo, será culto e inteligente, defenderá a maior parte dos princípios que eu também defendo, terá senso de humor e sensatez, terá objectivos na vida e saberá adequar-se à maioria das situações e ser justo e imparcial. Será sensível e terá uma veia artística.
Tal como eu defini um perfil do que pretendo, também todos os outros podem ter.

E quando encontramos a pessoa que corresponde nas medidas certas à descrição que fizeram?


Quando suspiramos e reviramos os olhos ao ver o rosto que admiramos, quando ficamos nervosos apenas porque vamos estar algumas horas juntos, quando cada casal que vemos nos faz lembrar a pessoa da qual sentimos falta e quando o futuro apenas parece fazer sentido ao lado desse ser?
Seremos capazes de esquecer que aquele sentimento não é possível e seguir em frente?

Ou ficaremos parados, ansiando uma só palavra ou um só gesto que dê ânimo à espera interminável que iniciámos? Ou ficaremos presos a alguém que, por nenhuma culpa, não sente o mesmo, aprisionados na nossa própria amargurada consciência, de que não estamos felizes assim, mas que a simples mudança, pode deitar para trás a pessoa que julgámos capaz de nos fazer felizes para sempre?

Será suficiente a admissão da infelicidade para pôr fim a uma devoção unilateral? Sim. (Quando o deus que admiramos não é de facto o que idealizámos.) Nem por isso. (Quando o rosto divino que ansiamos, parece merecer cada sórdido sacrifício.)

Masoquismo? Absoluto.
Mas não será também isso, amor?

Quando se ama, ou se julga amar, aquele que achámos que seria perfeito, a simples ideia de deixar de o olhar com sentimento, dói quase tanto como os duros golpes que nós próprios infligimos nos nosso orgulho, ao saber que talvez (quase de certeza) não o possamos ter.

Que preço estamos dispostos a pagar pelo amor que julgamos ser o “amor-perfeito” ?


ac.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

rostos sem nome.

Já sonhei com pessoas que nunca vi (além daquelas noites, enquanto dormia) e que provavelmente nunca irei ver, porque não existem.

E esse facto incomoda-me. Como posso sonhar com pessoas que nunca vi, que não irei possivelmente ver (ou se as vir, talvez nem me recorde sequer) e das quais não sei absolutamente nada.

Os meus personagens de sonhos (mais ou menos felizes) não têm futuro nem passado. E o único presente é aquele que eu testemunhei enquanto estava sob o sono.

Só lhes conheço os contornos do rosto e do olhar por vezes angustiante ou sedutor que me lançam a mim, enquanto me dobro no meio dos lençóis.

Não sei se são felizes, se são inteligentes, se são sensatos e divertidos. Nem tão pouco se têm família ou vivem sozinhos, se tem medos ou se a falta de alguém no mundo os fez perder o zelo pela vida e os tornou em aventureiros que arriscam a vida por nada.

Será que a muitos e muitos quilómetros daqui estará o rosto que me visitou a noite passada? E se estiver, terá sonhos angustiantes como os meus? E sonhará comigo? E se estiver e for como eu o imaginei, ou sonhei, ou pintei?

Terá o mesmo olhar profundo e inesquecível e saberá abraçar de uma maneira tão forte como aquela que quase senti na outra noite?

Talvez.

Mas e se realmente existir, de acordo com as lembranças que tenho dele?

O rosto, o abraço e o desconhecido? Se não souber o seu nome, nem a sua historia de vida? Se ele próprio não souber por quem luta na vida, apenas porque está sozinho? Se não tiver nada nem ninguém, nem mesmo o reconforto de saber quem é?

Como será? Deve ser mil vezes pior do que o vazio que sinto ao acordar e saber que aquilo com que sonhei só foi angustiante e vazio, porque
todos os rostos que vi, não tinham nome e eu nunca os poderia procurar.

Deve ser muito pior a angústia de não saber procurar por nós do que pelos outros. Felizmente, sei o meu nome e para onde vou. E hoje, estou certa de que o caminho por onde vou daqui para frente tem um nome e o nome que quero.


Ac'

terça-feira, 4 de agosto de 2009

(...)

(...)
Então, repousando sobre a confortável poltrona castanha, Mafalda recordou os tempos de adolescente.

Naqueles três anos de secundário, achava que definitivamente o campo amoroso não era o melhor para ela. Tinha-se apaixonado por um rapaz da sua turma logo no primeiro ano em que entrou para a escola secundária, Bernardo. Foi alternando uma paixão contida e secreta com uma paixão desmedida, capaz de a fazer ignorar as limitações que teria que enfrentar.

No entanto, não teve sorte nem coragem suficiente para se fazer valer. E por isso, prolongou-se uma dor crua, por três anos. Foi um período complicado. Embora tivesse sido sem dúvida feliz, tinha sido uma pessoa sozinha. Invejou as amigas que aos poucos foram encontrando alguém especial, invejou os casais que observava discretamente na rua e invejou os sentimentos puros que faziam com que os seus amigos suspirassem e revirassem os olhos de contentamento em todas as ocasiões que estavam juntos. Aos poucos foi começando a mostrar desagrado quando a convidavam para sair, ir ao cinema, passear, ir à praia ou jantar. Foi ficando adversa aos números ímpares, que a deixavam sempre, só.

Não sabia se conseguiria esquecê-lo. Afinal, entre paixões de menos de um mês, facilmente confundidas com uma mera atracção física, o amor por ele era o único sentimento que prevalecia, forte e penoso.
No final do terceiro ano, teve uma breve esperança, forte e bonita. E pensou realmente, que o futuro que se avizinhava tenebroso, poderia não chegar a acontecer.

Mas não. Nem mesmo o amor que sentia e que julgava ser recíproco, chegou. A duas semanas de uma separação pouco inevitável, Mafalda julgou ter acabado um período de solidão. Mas duas semanas após o fim do ano lectivo, pôde comprovar, da forma mais penosa, que afinal, iria continuar a sentir a mesma inveja das canções de amor cantadas ao ouvido dos seus amigos às namoradas, ou das mãos dadas que entrelaçavam por baixo dos olhares atentos de quem nada tinha a ver com aqueles sentimentos ou ainda das declarações lamechas que lia constantemente em cartas, em textos de espaços na internet ou que era obrigada a ouvir para aprovar.

Nunca pensou em que Bernardo seria eterno, nunca o julgou como seu. Mas sempre o encarou como a pessoa ideal. Sempre o teve como o espécime exacto da perfeição que pretendia. Era inteligente, culto, tinha senso de humor, era talentoso, era querido, simpático, atencioso, correcto e sensato. Tinha uns olhos expressivos que em nada aparentavam encerrar uma pequena imperfeição e um rosto tão sereno que Mafalda poderia assegurar que nunca ficaria cansada de o admirar. E temia que ele fosse o único. E que, de costas viradas, ela continuasse sozinha, no seu mundo desprovido de números pares.

Quando se lembrou que eram apenas recordações, Mafalda sorriu ao rosto inesquecível de um rapaz que sempre amou. Levantou-se, pegou num dos seus dossiês de capa amarelada e sentou-se à secretária, começando a estudar uns artigos de psicologia que imprimira no dia anterior sobre a reacção das pessoas face aos sentimentos.

(...)

AC.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

ataraxia.


Sempre fora uma pessoa justa, calma e imparcial. Capaz de dar o seu parecer em situações difíceis de um modo suportável para quem tinha razão e quem não a tinha, capaz de transformar uma situação péssima e quase irrevogável numa lição de moral e numa aprendizagem para o futuro e capaz de amenizar os atritos entre personalidades distintas, de suavizar as discussões que surgiam num calor infernal mesmo nas tardes de inverno.
Se havia pessoa capaz de lidar com situações difíceis, era ela. E orgulhava-se disso. Disso e de poder dizer, em voz alta e ao reflexo inseguro que via no espelho, que essa era a sua maior qualidade.


Porém, não se orgulhava de não conseguir ser imparcial em amores. E sabia, que por mais que quisesse ser, não o poderia, porque no amor, quem é imparcial não ama.
Mas ela tinha esperança que com a imparcialidade pudesse vir algo que não a destruísse aos poucos, algo que lhe fechasse o negro no peito que conquistara penosamente ao longo de uma tríade temporal.

Pedia uma solução, secretamente, que a fizesse sentir-se completa, como antes se sentira. Uma solução que a fizesse contemplar a beleza de um pôr-do-sol à beira mar por si só, sem ter que a associar à melancolia indesejada de um rosto longínquo, ou que lhe permitisse olhar as estrelas e a lua em quarto crescente sem pedir, silenciosamente, que a brisa cálida de uma noite serena, o trouxesse de novo até si, apenas para o admirar, de novo, uma vez mais.
Com certeza que o amor dela não podia ser imparcial. É que era mesmo amor. Pleno, sereno, recto, justo, forte, terno, saudoso, penoso, perfeito. Amor. Amava sem pedir em troca nada mais que a felicidade do rosto que contempla em todos os outros rostos que não interessam; amava sem desejar tê-lo, mas sim, vê-lo, para que a saudade não sufocasse; amava de alma cheia, com medo e angústia dos tempos passados, com breves lanços de esperança no futuro e com a maior dedicação no tempo do agora.

Sabia que se chorasse por muito mais tempo acabaria por matar dentro de si as possibilidades de se tornar plena, numa outra ocasião, tornando-se numa pessoa fechada, fria e só. Sabia que se acreditasse demasiado no depois, se tornaria iludida, aturdida e manipulada pelas esperanças vãs e infundadas que ninguém prometeu. Sabia que as recordações dos seus traços fortes a fariam desfalecer por dentro sempre que por inveja ou outro qualquer sentimento, alguém ou algo a fizesse lembrar-se dele. E sabia que isso seria constante. E que seria constante e demorada, a sua morte face a um mundo inexplorado.

Então, em jeitos de calma desmedida e numa ilusão ciente por si criada, criou um redoma à sua volta.
Hoje, não o chora, não o sofre, não lhe sorri sem o ver, não o deseja de segundo a segundo, não o imagina, não o inveja, não o admira, não o sonha, não o pinta, não o recorda nos retratos.

Só o espera.

Só o ama, desesperadamente, calma.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A praia


Ontem fui à praia. Mas não fui a uma praia qualquer. Para mim as praias do Alentejo são as melhores do país. Imponentes falésias erguiam-se sobre um extenso areal que se dirigia para um oceano azulado e convidativo a mergulhos. Ao longe, na paisagem, podia-se observar pequenas ilhas de rochas recortadas pela força da maré. Estava pouca gente e um enorme clima de tranquilidade pairava no ar. O Sol, quente, queimava-nos a pele e dava-nos aquele tom dourado, sempre importante para a auto-estima. Apenas um pormenor faltava: aquelas mulheres que visualizamos em fio dental nas telenovelas brasileiras. Não sei porquê, mas elas nunca pairam por estas bandas. Que pena!


Mas, se de um lado estava o mar lindo e pacífico, do outro estava uma paisagem igualmente, se não mais, interessante – a esplanada. Começo a ser daquelas pessoas que, em vez de procurarem uma boa praia, procuram sim uma boa esplanada. Felizmente, no Alentejo consegue-se conjugar as duas coisas. O único problema, e que está a acontecer por aqui, é o facto de as praias se tornarem mais turísticas de ano para ano. Isto não só significa mais gente (logo, menos lugares para estacionar), como preços mais elevados nos petiscos que todos adoramos.


Entretanto, enquanto não chega o final da tarde (ou, como quem diz, uma hora razoável para ir para a esplanada), continua-se a fingir que viemos à praia porque gostamos realmente da praia e não do café. Não sei quem é que continua a acreditar! É então que me deito na minha toalha e começo a observar. Ao fundo, junto ao mar, vejo que alguns jovens estão a frequentar uma aula de surf.


Ainda me lembro da minha primeira aula de surf. Sentia-me como se a praia fosse minha. Acho que nunca inchei tanto o peito de orgulho na vida. Não sei se vocês sabem, mas as primeiras aulas de surf são praticamente o tempo todo na areia. Aprende-se os nomes de tudo o que se relaciona com surf e aprende-se a posicionar o corpo em cima da prancha. Para mim, aquilo era o melhor que me tinha acontecido na vida. Sentia-me um autêntico garanhão de fato e de prancha na mão. Não liguei muitos aos pormenores técnicos. O que queria era entrar no mar e dominar as ondas. Não se pode dizer que tenha sido isso exactamente o que aconteceu. Digamos que apanhei algumas ondas. Já rebentadas, mas apanhei!


Depois de várias tentativas falhadas dentro de água, decidi vir para fora. Ao menos não fazia figuras tristes e conseguia ter algum estilo. Após esse dia concluí que o surf não era para mim: muito esforço e persistência. Tempo perdido para quem tem uns petiscos maravilhosos à espera do outro lado da praia. Decidi apenas preservar o fato e a prancha. Sempre posso dar uma voltinha vestido à surfista, assim como quem não quer a coisa. Digamos que os surfistas tendem a ser bastante populares perante a plateia feminina.


Bem, com ou sem fato de surfista, na praia há sempre coisas que nunca desaparecem. Alguém com um rádio aos altos berros que pensa que a praia é uma discoteca. Os castelinhos de areia feitos pelas crianças ou pelas pessoas que querem parecer jovens em frente às crianças. Os jogos de futebol, onde não interessa a bola, mas sim a confusão que se gera. E, finalmente, os casalinhos de namorados. Óptimo para eles, mas péssimo para quem, como eu, não tem namorada. Não sei porquê, mas o meu fato de surfista não tem obtido grandes resultados. Estou a pensar avançar para a fase da tatuagem. Todos os surfistas têm uma!


No final da tarde, chega finalmente a hora de ir para a esplanada. É então que direcciono todas as minhas frustrações, amorosas ou de surfista falhado, para os petiscos apetitosos que se pedem aos pais estrategicamente em momentos de distracção. O melhor momento é quando estão ao telemóvel. Dizem sim a qualquer pedido sem se aperceberem.


No final de contas, ir à praia acabou por ser bastante divertido e satisfatório (se pensarmos nos petiscos). E este foi só o primeiro dia de praia nestas férias alentejanas. Talvez frequente uma aula de bodyboard para a próxima. E quem sabe se, com o tempo, as brasileiras não acabam por aparecer?

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A estadia


Acordar às três horas da tarde é o melhor que me pode acontecer. Fico mais relaxado, não sei! Aproveito e fico mais um minuto na cama a pensar que se não estivesse de férias ainda me restaria a aula de Economia para voltar para casa. E Isso dá-me um certo prazer! Eu sei que há pessoas que não se conseguem levantar assim tão tarde, mas eu sou bastante diferente. Ainda ontem pus o despertador para conseguir acordar, imagine-se, à uma hora da tarde.

O dia começa calmo aqui no Alentejo. Levanto-me e a primeira coisa que vou fazer é estender-me ao Sol. No Verão toda a gente quer ganhar aquela corzinha especial que ficará tão bem na fotografia! Eu não sou excepção. Ponho um bocadinho de protector 20, apenas para não me sentir muito culpado, e deito-me confortavelmente numa espreguiçadeira. Verifico a cor da minha pele de cinco em cinco minutos, mas não observo grandes modificações. Deixa lá, tenho ainda muitos dias para ficar moreno! Pode até ser fútil, mas conforta-me saber que esta é a minha única preocupação. Aqui não há horários, não há problemas, não há trânsito, não há testes ou trabalhos de casa. Ou seja, não há nada que me possa preocupar, a não ser decidir o que vou comer. E escolha entre um pãozinho alentejano ou um dos cozinhados da minha mãe não se revela muito difícil, pois todas a opções são deliciosas.

Começo a ler o jornal para ocupar a cabeça e deparo-me com uma notícia insólita. Segundo um inquérito da Deco-Proteste, 41% das mulheres e 23% dos homens portugueses não se consideram atraentes. Ora isto significa que 59% das mulheres e 77% dos homens se consideram realmente atraentes. Das duas uma, ou eu ando a ver muito mal, ou então as pessoas em Portugal não têm muitos espelhos em casa.

Guardo o jornal e vou dar o primeiro mergulho do dia à piscina. Nado durante um breve período de tempo, convencido de que isso se notará nos músculos quando sair da água. No fundo eu sei que não fará a mínima diferença, mas parece que resulta um bocadinho na auto-estima. Começo realmente a convencer-me que em Outubro me vou inscrever no ginásio, mas também sei que já fiz a mesma promessa no ano passado. Adio para Novembro. Um mês não fará qualquer diferença.

No final do dia o meu pai preparou-se para a tarefa mais assustadora que alguma vez efectuou: ensinar-me a conduzir. Acho que o convenci de vez que ter filhos pode mesmo implicar correr perigo de vida. Ele não me disse, mas certamente deixou transparecer no seu olhar. Por entre curvas e rectas, subidas e descidas, tentei confortar-me com a ideia de que só estava a correr mal porque era a primeira vez. Dei por mim a pensar quantas vezes seria normal deixar o carro ir abaixo. Acho que foi a primeira vez em que senti que não tinha tido sucesso numa tarefa. Em termos de automobilismo sou mesmo daqueles que luta para a positiva. Não sei porquê, mas sempre me habituei à ideia de que quando chegasse a minha altura já existiriam carros como os do Sangoku.

Quando parei finalmente o carro pensei que quando chegasse a casa poderia procurar uma bicicleta, algo em que realmente pudesse andar e sentir-me orgulhoso. Talvez me desse algum consolo. O que certamente não me deu consolo foi a frase do meu pai quando, após recuperar a cor normal da sua cara, me disse serenamente “deixa lá, foi a primeira vez, com o tempo vais melhorar”. O que traduzindo se podia resumir em “Foi péssimo, temos mesmo de repetir amanhã?”

Quando cheguei fui tomar banho. O ruído do motor do carro ainda me assombrava os ouvidos. Acho que hoje não vou escapar aos pesadelos. Aumentei a pressão da água e reflecti profundamente sobre se seria assim tão complicado inventarem o teletransporte. Depois fiquei quieto, ouvindo a água correr sobre mim como se fosse uma qualquer planta que permanece imóvel sob a chuva. Fechei os olhos e deixei que o vapor me absorvesse os pensamentos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

outros.

O que os outros pensam não importa.

E quem são os outros? E o que dizem eles? E porque não importa?

Os outros são pessoas a quem não recorremos frequentemente para desabafar, para contar as novidades ou os relatos banais do dia-a-dia, para convidar a uma ida ao cinema. São pessoas que facilmente passam despercebidas nas nossas tomadas de decisões e embora as tenhamos de em conta de vez em quando, são aquelas às quais dirigimos um singelo “olá” e tudo fica dito. São pessoas que até nos podem julgar conhecer, mas nunca saberão quais são os nossos sentimentos, as nossas opiniões, os nossos maiores amores, os nossos maiores e mais humilhantes momentos ou até mesmo pequenos pormenores que só os que se interessam verdadeiramente por nós, conseguem captar.

Os outros pensam muito ou muito pouco de nós. Dependendo da personalidade dos outros e dos seus outros amigos, podem ignorar-nos ou criticar-nos afincadamente. Podem pensar que parecemos ridículos ou pensar que deveríamos ser mais contidos. Podem pensar que somos fabulosos ou que nos deveria acontecer qualquer coisa para experimentarmos o outro lado do adjectivo. Podem pensar que somos detestáveis ou que gostariam ainda mais de nós se os tivéssemos por perto.

Não importa? Ás vezes importa bastante. Mesmo que se tenha um ego inabalável e que o primeiro comentário depreciativo de uma cara pouco importante não produza qualquer efeito, talvez a décima observação já nos ponha a pensar se seremos realmente como os outros dizem. Outras vezes não importa mesmo. O que interessa se um fulano, quase desconhecido, nos dirige um olhar de reprovação ou de inveja, de pena ou de ódio? Se estivermos felizes e lhe lançarmos um sorriso brilhante, sei que o outro seria capaz de aumentar ainda mais a sua pena, a sua reprovação, o seu ódio ou a sua inveja e estou certa, que em alguns momentos, isso também nos aumentaria bem a felicidade.

Se os outros pensam ou falam de nós, bem ou mal, pensam e falam. E o problema é deles, porque desde que nós estejamos bem da maneira que estamos, não somos nós que temos algo a resolver.

Portanto, quem são os outros, o que dizem e que importância têm? Não interessa. Os que interessam, não sou outros, eu sei o que dizem e a importância é mais que sabida.

Ac.