quinta-feira, 5 de novembro de 2009

calçada.

Nunca pensei que as pessoas importantes passassem.
Não falo daquelas que conhecemos e com quem convivemos algum tempo e que deixaram saudades, poucas ou muitas, quando foram.
Refiro-me àquelas que viveram connosco. Que souberam de cada passo ou de pelo menos da maior parte, de cada dúvida, de cada segredo bonito ou angustiante, de cada desejo e de cada objectivo a cumprir. Falo daquelas que sabiam com que pensamento olhávamos as coisas e que adivinham sempre o que queríamos receber. Daquelas que se sentavam ao nosso lado e nos sorriam ou choravam e que mesmo assim, ali ao lado, eram felizes connosco. E nunca com um “sem”.



Fizemos planos e planos. E nunca tivemos duvidas que seriam para cumprir. Tivemos o céu e a estrada como certa, muito certa e segura. Definimos as nossas acções futuras e jurámos que seria para sempre. Sempre!
Quanto é que dura o sempre?
Para mim o sempre é depois do nunca. Não há fim, não há conhecimento, não há despedida. Porque o sempre era para sempre e depois disso.


Mas as pessoas passam. Passam como passamos pela calçada das ruelas de Coimbra e depois de passar fica só a sensação de “já passámos por ali”. Na calçada moram mil e milhões de sensações dessas. E elas aguentam. Mas as pessoas que ali passam não cativam as calçadas, porque se as cativassem as pedras sentiram mais quando não sentissem as pessoas especiais passar por ali. Para as pedras da calçada, as pessoas especiais são mais azuis e mais cinzentas que o céu acima, são mais frias e mais suaves que as brisas fortes do inicio do tempo em que chove, são mais fortes que o calor branco e agreste que sente e se inala nos tempos das cerejas.


Como seria se a calçada perdesse o céu, o vento e o calor? Ou perdesse o inverno, o verão e as outras estações em que os comboios não param mas em que o tempo também anda?


São raras as pessoas que cativam as calçadas, mas quando o fazem e depois mudam a caminhada, lá se vê um ou outro paralelo despegado, sem raízes, sem rumo. Só fica conotado como um estorvo, como uma pedra imperfeita, como algo desprovido de sentido e utilidade.


Também são raras as pessoas que nos cativam. São o sol, a chuva, o vento, o mar, as nuvens. São o porto seguro e o mais desejável segredo. A mais pura das verdades e a mais doce tentação. Não há tudo, mas elas serão uma imitação real de um protótipo semi-perfeito do tudo. E quando se perde o tudo, ficamos como os paralelos da calçada.


Porque uma vez cativados e depois apenas esquecidos ou a esquecer, ficamos sem o sol, o mar e céu. Ficamos sós, a calçada, os outros e eu.


Mas o sol ainda brilha, o céu ainda está onde devia estar e o vento ainda se ouve murmurar. O mundo gira e nós estamos cá para ficar. E cativar !


AnaCatarina.

1 comentário:

Andre Vidal disse...

Ctarina... Gostei do texto! Também já não escrevias à algum tempo...

temos de falar mais vezes. Tenho saudades tuas..
Beijinhos