quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Desconfiança

Depois de tanto tempo afastado do blog achei que era uma boa altura para recomeçar a escrever. Isto tem uma simples razão: a minha existência neste momento não tem proporcionado nada de produtivo para ninguém. Depois de frequências e exames parece que a única coisa que sei fazer é dormir e comer e não consigo fugir a isso. Chego a programar o despertador para a uma da tarde e não me consigo levantar. Vou muitas vezes buscar comida à cozinha e volto para a cama com um tabuleiro recheado para não ter de voltar ao frio das outras divisões da casa.

Foi na continuação deste meu estado vegetal que assisti a um programa na televisão em que os apresentadores perguntavam aos telespectadores se estes achavam que os portugueses eram desconfiados, pois um estudo recente revela que os portugueses são o povo mais desconfiado da Europa. Ora, na sequência desta notícia, não pude deixar de iniciar uma reflexão profunda sobre o tema. A conclusão a que cheguei foi: caramba, somos mesmo desconfiados!

Se repararmos, muitas das acções que praticamos desde que nos levantamos até nos deitarmos são baseadas na desconfiança, muitas vezes nem em nós próprios confiamos. Acontece frequentemente perguntar ao meu irmão se está frio lá fora e mesmo assim ir confirmar à janela. Quando aqueço a caneca de leite no microondas ponho sempre tempo a mais, nunca confiando que um minuto é suficiente. Quando acabo de lavar as mãos, olho sempre para trás para ver se fechei correctamente a torneira, não vá a conta da água surpreender-me no final do mês. Antes de sair de casa pratico sempre o ritual “chaves de casa, check; carteira, check; passe do metro, check”, pois sei que a minha atenção não é das melhores.

Mas esta desconfiança também se aplica aos outros. Desconfiamos sempre do que os outros dizem ou fazem. Quando alguém nos diz os horários do cinema, vamos sempre à Internet confirmar. Quando vamos ao supermercado confirmamos sempre o troco e o talão. Quando encontramos roupa muito barata à venda, desconfiamos sempre da sua qualidade. Quando usamos o GPS, apesar de sabermos que provavelmente todos os caminhos estão certos, não deixamos de estar constantemente a verificar a sua veracidade. Quando o Governo anuncia bons resultados na economia, nunca acreditamos verdadeiramente no método que utilizou para os calcular.

Enfim, passamos a nossa vida a desconfiar dos outros, de nós próprios, do que os outros dizem, do que nós próprios dizemos, do que os outros fazem ou do que nós próprios fazemos. A desconfiança está sempre lá. Nunca confiamos totalmente. É-nos impossível! Mas também é compreensível porque vivemos num país onde o governo dá o exemplo: embustes, imposturas, falsidades, corrupção, demagogia barata, populismo traiçoeiro, engano, e roubo dos que tudo declaram nos impostos e nenhuns subsídios têm (ao contrário dos que nada pagam e tudo lhes é subsidiado). Acham que assim dá para confiar em alguma coisa?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

com ou sem, mas sempre.

Noutros distantes e idos dias, um príncipe escreveria se soubesse e um camponês riria se pudesse.


Aos olhos de quem vivia na terra, da terra e para a terra, isto nos tempos que já lá vão, as cartas de amor eram deprimentes e praticamente inexistentes. E facilmente se percebe. Que significado teria um pedaço de papel e letras pintadas, para quem, de mãos calejadas abre o invólucro da poesia, podendo ver o milagre da vida e do Criador, sempre e de perto?

Comparai a maior citação de amor ao simples pôr-do-sol e dizei-me de sua justiça o que de verdade parece mais autêntico, aos olhos de quem vive.

O príncipe, eterno apaixonado, permanecerá nos seus aposentos, cirandando e ditando as palavras que a sua donzela deverá ouvir. E alguém há-de lhe escrever essas palavras, alguém há-de selar o envelope e partir à socapa para entregar, como que um tesouro, à apaixonada do que ditou.


É um amor bonito, o poético. E estou certa que o amor verdadeiro não olha a formas.


Mas imaginai a época antiga.


Privilegiados eram os amantes do campo, que enamorados de uma moça lhe podiam mostrar o mundo ao invés de lhe escrever do sol, do mar, do vento e dos prados.
Camponeses, dariam as mãos, primeiro timidamente e depois, desajeitados, sem maneiras, porque a volúpia da procura atrapalharia os gestos. E contemplariam o que semeado estivesse, sempre juntos, com fervor no olhar.


Não teriam poesia a não ser toda aquela que sentiam.


O príncipe, dengoso, escrevê-la-ia. Encantaria os seus sonhos com as palavras. E depois, vivê-las-ia, talvez.


E um plebeu, afogado em fuligem, palha e pó, viveria o milagre da vida e do amor e ainda assim seria poesia.


A magia de um sentimento pode ser escrita e sentida nas palavras e os sonhadores apaixonar-se-ão, certamente.


Mas um homem dos terrenos concretos, cuja única poesia que conhece é a da lavra dos campos e a do vento no Outono, não tem sonhos. E apenas ama o que vê. Não pode amar o que lê, porque ainda que perceba os rabiscos erigidos num papel, isso não lhe é nada além de nada.


Por isso amemos. Das torres do castelo ou da cabana de um vale, em vestes detalhadas ou em pele despida, com música e suspiros ou natureza e gemidos, amemos. Porque a vida não foi criada para sermos unicamente diferentes e termos acesso a amores diferentes. Foi criada e agradecidos estamos ao criador, para que amássemos, como pudermos. Com saias, sem saias.
Com poesia ou com brisas ao ar livre.


Amemos, só.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

mundo, meu.

Tive um mundo redondo e puro.
Sereno 
              conturbado
                                     leve
                                                    e              desajeitado.



Era um mundo e dentro dele outro e dentro desse outro outros mil.

E em cada um desses pequenos e meus mundos, havia sempre magia e reflexos. Reflexos meus e dos outros, porque aquilo que somos e em que nos transformamos, reflecte-se à nossa volta e naquilo que criamos. E só eu, tinha num mundo, mil outros mundos.
 Era um mundo cheio. Quis que nele houvesse sempre o que acho que falta muitas vezes nos mundos quando ficam mais velhos. Queria serenidade, sensatez, pureza, simplicidade, inocência.

 
E por isso atei-lhe em volta uma fita de seda clara e assegurei-me que seria para sempre assim, perfeito. Não quis que nada se desfragmentasse.
 Claro que há sempre algumas coisas que acabam por sair, por se perder e outras que se agregam e se aproximam do núcleo, com sentimento.

E durante muito tempo foi assim. Seguro. Certo. Completo. Inocente. Esperançoso (sim, mantive um hábito de contos de fadas. Lia todos os dias ao meu mundo os meus livros infantis da prateleira mais baixa do meu quarto).

E ali ficou ele, perfeito.
Imune.
Intacto.
Espectador dos outros mundos que às vezes desmoronam, mas confiante porque todos os que caíram não tinham uma fita de seda segura.


Hoje, agora, sei que nenhum mundo é totalmente certo, seguro e puro.
Hoje sei que nunca irei perder o núcleo do meu mundos, dos meus mundos.

Mas a fita já se começou a desfazer.