segunda-feira, 19 de abril de 2010

Este aquilo...

Não penso no tempo útil e inútil que perco agora. Pensarei amanhã ou um dia depois quando me apresentarem a conta de horas perdidas por um sentimento tão grande e definidamente nosso.


Tenho controvérsia nos pensamentos. Distinções e preconceitos que eu não sei ter mas que sei que outros não sabem não ter. Tenho sal nas ternuras e mel nos ímpetos que me elevam numa das salas do nosso castelo.


Tenho em mim muito de muito e muito de muito que eu não sei o que será. Somos estrangeiros na terra um do outro e mesmo assim, queremos morar perto.


Somos, e somos mesmo, uma primeira pessoa do plural que apesar de definida entre si e por si, se vê num mar de pontos de interrogação que derivam em reticências.


Somos aquilo que temos e que sabemos ser. Não somos as palavras de estima ou as de incentivo, não somos as palavras de consolo ou as de orgulho, não somos nem as palavras de carinho nem as de sedução. O que somos e nos aperta o peito num vazio pouco intermitente são os olhares discretos e voláteis, que ninguém sabe saber nem sentir. O que somos e nos faz fazer bem, reciprocamente, são os sorrisos que me fazem querer girar sobre mim, dançar mil vezes e cantar outras mil até que doa a voz e a vós vos irrite. O que somos e temos são os abraços que nos faltam e que ficam sempre a faltar…


Não sei não pensar, não sei não sentir, não sei não ter consciência, não sei preferir não compreender, não sei não sonhar, não sei não.


Só sei aquilo, que é um saber estranhamente sábio.


E apesar de tudo o que não sei e de tudo o que sei não saber, sei muito bem que em poucas palavras te posso dizer o que é aquilo. É que aquilo que se eleva emocionantemente incomodativo, aquilo que se ocupa dos pensamentos constitucionais de sonho, aquilo que voa em si num desejo lascivo de bem-querer, aquilo que se esboça num sorriso imperfeito e num brilho desmedidamente louco, aquilo é isto.


É isto mesmo.


E não há ninguém que me explique em menores palavras que aquilo é este.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

tesouros.

Certos dias, naqueles de céu azulado e nuvens intermitentes, o mundo, numa teia conspiradora e intimidativa, lança-nos no vago da nossa, terna, escura, estranha e pérfida, mente.



Há dias, azuis e brancos, esplendorosos, magnânimos, em que ao pensar no amor e nos outros nos apercebemos da importância das coisas, das grandes, das pequenas, das coisas banais, das coisas extravagantes. E damos por nós a pensar em nós, canalizando o raciocínio para a ponta mais baixa do ser.


Às vezes baixo-me em mim e encontro tesouros perdidos ao nível do chão. Parece-me que sempre ali estiveram… E depois, pego-os, limo-lhe as arestas provocadas pelo arrasto do tempo, dou-lhes brilho e pó de estrelas e sonhos e coloco-os na prateleira dos valores na segunda sala magna do edifício conjunto do ser, do pensar e do sentir.


Num dia azulado, virtuoso e branco, encontrei uma pedra preciosa e perdida. E perdi-me no rumo a dar-lhe. Os tesouros não devem ficar apenas guardados, devem fazer brilhar outros baús cujos donos ainda não souberam como atingir o nível do chão por não quererem perder o empinado no nariz.


Perdi-me porque era uma pedra brilhante e séria, sedutora e altiva, que me cativou e me baralhou, quando me perguntou para onde iria agora que eu a tinha achado. Disse-lhe em surdina que ela ficaria comigo mas que o brilho dela iria tornar azul o céu de outras pessoas e que ela deveria ficar orgulhosa por isso. E ela, atrevida como a cor dizia e o aspecto tosco e desleixado não indicava, interrogou-me, maleficamente, quem seria tão importante assim.


E aí descobri porque muitas pessoas não se baixam em busca de tesouros no chão de baixo: porque muitos deles são esqueletos incomodativos que ficam a perturbar a consciência e a almofada.


A verdade é que cometemos muitos erros a dar importância às pessoas. Em excesso e em defeito. O defeito leva-nos à auto-flagelação dormente. O excesso leva-nos à auto-humilhação, à auto-desilusão, à auto-destruição de mundos cor-de-rosa. Parece-me a mim que quando erro nos temperos o efeito é parecido. Se por defeito anda, fica-me a moer e a remoer o sabor sem sabor. Se em excesso me pareça, ainda que às vezes assim dele goste, quando passa abaixo e repousa, deixa-me a ingerir quantias anormais do que das fontes brota.


Assim, naquele dia azul, o tesouro foi polido, idolatrado e depois, ao cantar-lhe a canção de emprateleirar, disse-lhe que iria escrever sobre ele. Inchou-se e brilhou, cantou-me que nunca ninguém o tinha feito sentir-se tão brilhantemente importante.


O brilho dele ficou sempre na minha mão. E recordo-o enquanto procuro tornar mais claros os dias cinzentos e os dias com nuvens constantes. Recordo-o com a certeza de que os meus níveis de importância nos corpos estranhos ao relógio biológico estão hoje bem perto do certo e que por isso não preciso de pôr nem sal a mais nem sal a menos.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Madness

Dizem que todos os génios eram loucos. Dizem que o amor tem uma grande parte de loucura e que a própria loucura tem uma certa razão.
Sejamos então todos loucos e ainda que sem uma canção sobre loucos de outras partes do globo, cantemos a loucura daquilo que é a existência.

Há loucura em cada emoção. Há razão em cada loucura provocada por emoção.

Há loucura na confiança, no depósito de expectativas, na partilha, na entrega, no olhar, no sorrir, no ouvir, no dançar, no tocar, no falar, no amar, no ser... Há loucura em querer alcançar todos os sonhos de miúdo e em querer alcançar o inalcançável. Há loucura na adrenalina e na acomodação. Há loucura no selvagem e há loucura na privação. Há loucura no negativismo e há loucura na prepotência.

No entanto, há razão, de igual para igual, com essa louca loucura. Andam de mãos dadas, tal como andam muitos outros semelhantes que nos tiram a pele lisa em volta dos olhos. Andam lado a lado, espalhando magia, do mesmo modo que o fazem mil e dois outros distintos gémeos seus.

Contradizem-se, como me renego eu.
Afirmam-se, como me acho eu.
Baralham-se, como me baralho eu.

Há loucura no acordar todos os dias. Há loucura no deitar todos os dias. Há loucura no amar de vez em quando ou todos os dias.
Há loucura quando colocamos 'se?', quando empregamos 'mas...' e quando achamos que 'não sei.' .
Há loucura quando afirmamos que será para sempre, que será nunca, que sim e que não.

E mesmo assim, há razão e sensatez em tudo.

Somos loucos? Somos. Nascemos nus, expectantes, firmes e loucos. Se tivessemos só razão, não sei se teríamos nascido.

Mas nascemos, derivantes dos habitantes das lianas. Loucos, selvagens, irracionais a tempo inteiro, mas nem sempre no activo do papel.

Somos loucos? Somos. Somos loucos e fazemos loucuras, da mesma maneira que somos amigos e confiamos, da mesma maneira que somos fãs e confiamos*, da mesma maneira que somos amantes e amamos, da mesma maneira que somos crentes e acreditamos.

Não há mal na loucura. Não há mal em usar a loucura que nos mostra como viver.
Deixemos o mundo girar, deixemos que ele seja racionalmente louco.
Não vale a pena lutar contra o que se sente.
Se temos frio, pois vistamos mais roupa.
Se temos calor, pois tiremos a roupa que vestimos a mais.
Se amamos, amemos.
Se odiamos, ignoremos ou resolvamos os problemas.
Se temos um dom, partilhemos.
Se somos loucos, loucos seremos.
Porque num dia racional, nus, queixosos e loucos nascemos.


* ser fã de um clube de futebol, cuja sigla é sl**, é a única excepção à loucura abordada neste aglomerado de ideias. Essa loucura é a única que não tem qualquer relação com a razão.


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