segunda-feira, 12 de abril de 2010

tesouros.

Certos dias, naqueles de céu azulado e nuvens intermitentes, o mundo, numa teia conspiradora e intimidativa, lança-nos no vago da nossa, terna, escura, estranha e pérfida, mente.



Há dias, azuis e brancos, esplendorosos, magnânimos, em que ao pensar no amor e nos outros nos apercebemos da importância das coisas, das grandes, das pequenas, das coisas banais, das coisas extravagantes. E damos por nós a pensar em nós, canalizando o raciocínio para a ponta mais baixa do ser.


Às vezes baixo-me em mim e encontro tesouros perdidos ao nível do chão. Parece-me que sempre ali estiveram… E depois, pego-os, limo-lhe as arestas provocadas pelo arrasto do tempo, dou-lhes brilho e pó de estrelas e sonhos e coloco-os na prateleira dos valores na segunda sala magna do edifício conjunto do ser, do pensar e do sentir.


Num dia azulado, virtuoso e branco, encontrei uma pedra preciosa e perdida. E perdi-me no rumo a dar-lhe. Os tesouros não devem ficar apenas guardados, devem fazer brilhar outros baús cujos donos ainda não souberam como atingir o nível do chão por não quererem perder o empinado no nariz.


Perdi-me porque era uma pedra brilhante e séria, sedutora e altiva, que me cativou e me baralhou, quando me perguntou para onde iria agora que eu a tinha achado. Disse-lhe em surdina que ela ficaria comigo mas que o brilho dela iria tornar azul o céu de outras pessoas e que ela deveria ficar orgulhosa por isso. E ela, atrevida como a cor dizia e o aspecto tosco e desleixado não indicava, interrogou-me, maleficamente, quem seria tão importante assim.


E aí descobri porque muitas pessoas não se baixam em busca de tesouros no chão de baixo: porque muitos deles são esqueletos incomodativos que ficam a perturbar a consciência e a almofada.


A verdade é que cometemos muitos erros a dar importância às pessoas. Em excesso e em defeito. O defeito leva-nos à auto-flagelação dormente. O excesso leva-nos à auto-humilhação, à auto-desilusão, à auto-destruição de mundos cor-de-rosa. Parece-me a mim que quando erro nos temperos o efeito é parecido. Se por defeito anda, fica-me a moer e a remoer o sabor sem sabor. Se em excesso me pareça, ainda que às vezes assim dele goste, quando passa abaixo e repousa, deixa-me a ingerir quantias anormais do que das fontes brota.


Assim, naquele dia azul, o tesouro foi polido, idolatrado e depois, ao cantar-lhe a canção de emprateleirar, disse-lhe que iria escrever sobre ele. Inchou-se e brilhou, cantou-me que nunca ninguém o tinha feito sentir-se tão brilhantemente importante.


O brilho dele ficou sempre na minha mão. E recordo-o enquanto procuro tornar mais claros os dias cinzentos e os dias com nuvens constantes. Recordo-o com a certeza de que os meus níveis de importância nos corpos estranhos ao relógio biológico estão hoje bem perto do certo e que por isso não preciso de pôr nem sal a mais nem sal a menos.

3 comentários:

B disse...

"A verdade é que cometemos muitos erros a dar importância às pessoas. Em excesso e em defeito. O defeito leva-nos à auto-flagelação dormente. O excesso leva-nos à auto-humilhação, à auto-desilusão, à auto-destruição de mundos cor-de-rosa. Parece-me a mim que quando erro nos temperos o efeito é parecido. Se por defeito anda, fica-me a moer e a remoer o sabor sem sabor. Se em excesso me pareça, ainda que às vezes assim dele goste, quando passa abaixo e repousa, deixa-me a ingerir quantias anormais do que das fontes brota."
Gostei especialmente deste bocado! acho que tens toda a razão! continua a escrever princesa! gosto muito de ti. beijinhos*

Andre Vidal disse...

Catarina, que saudades! Espero que estejas bem. Comecei um novo blog, por isso vou deixar de escrever aqui.. Nao quero que leves a mal, mas é melhr assim... vai ao facebook, eu pus la a publicitar.
beijo, gostei do texto

Ana Lucas disse...

Para não variar perdi-me nas tuas palavras e divagações que tanto me fazem reflectir.

Que bem escreves quando algo te surge no pensamento..

beijinho grande amiga*