quarta-feira, 16 de junho de 2010

noutro tempo.

São teus todos os suspiros meus, vida minha.

Na verdade tudo o que sou eu, és tu. Porque na verdade, embora livre seja, cativa estou. E cativa sou, de nobre e singela vontade.
O amor que me assomou o peito aprontou-se terno e gentil e sem me dar uma rosa vermelha à socapa, por entre os serviçais, parece que a rosa eu recebi.

Estarei doente? Estarei eu a consumir-me numa febre insustentável?

Pois que seja se assim se chamarem os dias brilhantes.
Pois que seja se assim se considerarem os sorrisos trocados com a lua do mundo que é meu e dele.
Pois que seja se assim se forem, pelo nome de febre, trocados os olhares de sedução amena, de entrega serena, sem resistência pois que o inimigo não fere.

Será eterno o amor? Dizem-me que as estradas onde me perco, sem volta são. E que sejam e que eu me perca e que eu não volte mais.
Que fuja e me deixe cair ao mundo, porque louca sou. E são loucos só aqueles que amam. E se o preço para o meu amor for, não um dote ou o valor de um punhado deles, que seja a minha sanidade.

Será terno o amor?
Será doce o amor?
Será feliz o amor?
Que seja e que não seja e seja eu com ele tudo o que ele for.
Seja ele e eu com ele o amor dos prados vastos e verdes que se estendem no horizonte. Que os olhemos um dia de mãos dadas.

Que seja eu e ele comigo o pôr-do-sol quente e amistoso que se recebe numa tarde ritmada de Verão.
Que o recebamos de sorrisos trocados.


Que sejamos, ele e eu, eu e ele, os vestígios de tempos antigos, sob um manto de reflexão e misticismo.
Que sejamos nós com ele a paisagem melhor escolhida.
Que seja eu e o amor e ele comigo, o calor de uma aldeia perdida e de uma cidade descoberta. Que seja eu com ele toda a vida e tudo aquilo que a vida traz nas suas sacas de alfazema.
Estarei perdida? Dizem que sim. Que quem ama se perde.
Estarei eu louca? Dizem que sim. Que quem ama é louco.
Estarei eu a ser ingénua? Dizem que sim. Que só os ingénuos se deixam levar nas correntes desse ribeiro selvagem.


E eu sei, tudo isto não poderia passar de uma perdição.
E eu que sou louca e ingénua e tenho em mim todos os sonhos do mundo, prostrados no regaço, abraço todas as loucuras, inocentemente. E abraço-as com força, perdidamente.



É amor?
É. Tudo isto é amor.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O sol à chuva.

É no brilho dos olhos dele que ela, do alto do ser que é, encontra o brilho certo do amanhã. E é depois ao sorrirem num momento sincronizado, que se envolvem, que se prometem, que se confidenciam…




Deu-lhe ela o sol em carta despropositada e ele em resposta mandou o céu regar os jardins do mundo, com pingos de pérolas e saraivas de sonhos. Não havia nem frio nem tempo algum, porque nos instantes todos que têm um do outro, é o tocar de mãos que dita a moda e o sentir.



E ao caminharem, lado a lado, distantes, sabem que é num e noutro que se encontram, como quem se perde e depois desiste e depois ao desistir afinal resiste. É ao viverem o amor num banco de dois, assistindo ao desenrolar da viagem e ao caminhar de todas as ovelhas que ficam na contagem, que os dois, pastores do sol, dos prados e dos céus estrelados, se voltam a apaixonar. Ontem pelo toque, hoje pelo olhar.



E enquanto os poetas escrevem as odes, fazem os amantes as historias delas, vivendo-as para alguém as escrever, sonhando-as para alguém as ler, sentindo-as para nelas ser não o único, mas o maior amor do mundo.



Sabem que amam. Sabem o que é o amor deles. Sabem o que são e o que querem ser e não faltaram à lição sobre a como olhar a dificuldade do amor em 365 dias por ano. Sabem-no e desejam, ainda que pastores, navegadores, exploradores ou conquistadores sejam, testar e provar outra teoria.



Uma teoria em que quando o mundo gira e o par respira num sopro de tempo a tempo, o mundo gira com mais força, em contra-tempo, alternando bateres de coração com pulsares da terra.



Uma teoria em que se comprove cada sentimento de uma caixinha de música presente nos corações próprios de quem ama, desde o azul da ternura ao cinzento do ciúme, passando pelo encarnado do bem-querer e pousando um leve e terno beijo no branco divino da plenitude.


Uma teoria que mostre a verdade dos sentimentos que se aglomeram em torno do sol. Ele que brilha. Não brilha mais do que senão por eles, por eles que se apaixonam. E é por eles também que chora o céu, num misto de inveja e sedução, de ciúme e ilusão.



Uma teoria que deixe claro que são estes amores apaixonados que movem o mundo, de olhos nos olhos. Esquece-se o céu e o sol das leis dos sábios de ontem e entregam-se à mercê do amor. Esse que as montanhas não move nem as estrelas faz cair, mas que faz chorar o céu e ao sol dá motivos para ser, viver e sentir.



É a teoria que comprova a letras grandes e distintas que o amor se ergue difícil no espaço. Leva nele o ser, o beijo e o abraço.



É a teoria que exige o respeito pela ideia de um sol derivado.

Rodopia pelo amor, pelo sério e pelo complicado.



E é nessa teoria em que o céu chove e o sol se apanha desprevenido que se sabe poder provar, que o amor é o acontecimento.
É o sol à chuva num momento.



O amor é isso. É o sol à chuva. Que ao mundo as cores da perfeição. Porque o sol à chuva, resulta nele. No arco-íris da entrega, do sonho, da vida, do mundo e do coração.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Vou vetar.

É incrível como nós somos seres de hábitos.
Não vestimos verdadeira e generalizadamente hábitos na sua forma óptima para conjugar o verbo vestir, mas vestimo-los, numa combinação de um estranho andante e evoluído primata que se afeiçoa às novidades e as entranha, depois de as estranhar, no seu eu diário ou ocasional regular.


Dividimos a sociedade em camadas distintas de opiniões.
Há quem seja contra as mudanças ontem, hoje e amanhã. Há quem não goste de divergências do normal ontem, as aceite hoje e amanhã as implemente, primeiro tímida e depois afincadamente. Há depois quem as faça ontem, as faça hoje e amanhã de novo feitas sejam as mudanças pelos mesmos.

Parece-me a mim que a camada intermédia se alarga num conceito de maioria. E os extremos ficam assim, nas pontas, onde se estreitam as quantias.

Ter hábitos é seguro e só os que são capazes de arriscar se aventuram em fazer mudanças. E por isso esses ficam nas pontas.
Continuar nos hábitos, quando podemos calcar caminhos por traçar, também é um risco. Ir por onde todos vão, encontrar o que todos encontram, colher o que todos colhem, ver o que todos vêm… Corre-se o risco de ser o que os outros são. Corre-se o risco de se ser só mais um no meio de tantos. E corre-se o risco que depois da partida se seja não aquele que foi, mas só mais um que deixa espaço para quem há-de vir.

Os hábitos vêm das mudanças. São mudanças que se acomodam porque foram capazes de nos cativar e nós fomos capazes de as aprisionar inteiras naquilo a que chamamos de rotina.
E a rotina, pese embora seja segura, cansa às vezes.
Cansa ela, cansam os hábitos, cansam as mudanças que os provocam e cansamo-nos nós que provocados fomos pelo destino das coisas que descontroladamente controlamos.

Como há hábitos, cansaços e pessoas, há padrões de hábitos, de cansaços e de pessoas.

Há o branco que veste bem com o preto mas a branca que já não casa com o preto. Há o fantástico no ele ser maior e ela ser mais pequena. Há o fantástico nele sair e ela ficar em casa. Há o bonito sem adereços conventuais. Há o bonito nos traços normais. Há o ‘que bem que fica’ em falar igual. Há o ‘maravilhosamente correcto’ em fazer o que toda a gente acha bem. Há o perfeito na Barbie que fica com o Ken.

A culpa é dos fabricantes de bonecas, apetece-me dizer, que fazem a Barbie para casar com o Ken. E aí, aprende-se, ou desaprende-se conforme o ponto de vista, a ver a vida com olhos já cansados de novidades. E fecham-se sempre os olhos às mudanças, às necessidades de ser diferentes, de pensar e agir diferente.
Porque é que a Barbie tem que ficar com o Ken? Porque é que o Branco fica melhor com o Preto? Porque é que só o tradicional permanece nas boas graças?

Mas nós, como seres de hábitos, habituamo-nos ao facto de haverem padrões desnecessariamente incorrectos. Habituamo-nos a que se ditem as regras do mundo e se aceitem se contestar.

Eu hoje, veto-as.

Faço uso daquilo que me foi concedido assim que nasci. Faço uso da minha condição feliz de habitante de um mundo inteiro. E veto-as.

Veto as regras e os padrões e os hábitos e as vulgaridades.

Hoje veto tudo o que não está bem e veto muita coisa.

Por mim, estas regras não passam.

E ainda que promulgadas sejam, eu farei um mundo à parte. Um onde a mudança viva sempre que a rotina falhe.

domingo, 16 de maio de 2010

É sim.

As pessoas não gostam, usualmente, do escuro.
É que no escuro não se vê.
Não há formas, não há imagens nem visualizações do caminho.
Só podemos fazer previsões e seguir os instintos, só esperar que o que nos vai surpreender para lá do que não se vê não seja pior do que a previsão estranha que do desconhecido fazemos, apenas acreditar que no escuro não há só fantasmas esquecidos, só memórias que incomodam…


E amar é um pouco assim.
Amar é viver no escuro.
É ter os olhos abertos e sentir com o coração, orientando-nos (ou desorientando-nos) sem poder viver do que se vê, porque afinal, quando se ama, nem sempre o que se vê se torna claro. Vê-se e fica-se na dúvida se foi real. Vê-se e fica-se na dúvida se não terá sido imaginação de um dos nossos meros milhões de neurónios mais sentimentais e ingénuos.

Amar é assim.
Acreditar no que não se vê.
Confiar que está ali, mesmo sem ver.
Mesmo que não hajam sempre os abraços ou as demonstrações de carinho.
Mesmo que nem sempre as mãos se unam quando se queriam unidas.
Mesmo que as palavras não sejam ditas, orgulhosamente, de um modo meigo, para se mostrar que o afecto é real, que o amor existe, ali.
Amar é sentir esse amor nos dias preenchidos de luz e brilho e saber que esse sentimento nos deixa sinceramente felizes. E nos dias cinzentos, em que o escuro se abate, amar é continuar o sentimento de dias felizes, sem o poder impedir e sem poder evitar que dias sim e dias não, gostemos ou odiemos, o facto de amarmos alguém, de coração.

Amar é viver ansiedade, desejo, saudade, orgulho, confusão, medo, ciúme, passividade, alegria, confiança, desconfiança, angustia, paz… e vivê-lo tudo ao mesmo tempo e muitas vezes, no escuro.
Porque quem ama vive no escuro.
Quem ama, vive o que não se vê.
Lá no fundo, vê-se sempre.
Mas também não se vê.

Vêm-se os olhares e neles o sentimento de leitura de alma. Vêm-se os sorrisos de cumplicidade ou de piadas privadas. Vêm-se os toques discretos de sentimentos que incomodam a compostura.

Mas o amor, isso que nem se sabe o que é, não se vê, no seu estado mais puro. O amor fica no escuro. Age no escuro. Monta palco e actua lá, no escuro. Cai no escuro. Morre no escuro.

E o escuro não é onde ninguém fica cego.
É só onde ninguém sabe onde vai parar.
É onde se escondem os medos e os desejos.
É onde se duvida se se ama e se se terá caminho para andar.

É por isso que o amor é o mais perfeito sentimento. O melhor e o pior num só quarto escuro. O melhor e o pior num só pacote de chá que se toma, ocasionalmente ou inesperadamente. O mais doce e o mais amargo, no mesmo prato. O mais fácil e o mais difícil. O amo-te e o odeio-te. O quero-te e o não posso querer. O tenho-te ou será que não tenho? O abraça-me e o vai-te embora. O olha para mim e o esquece que já nos vimos. O vem ter comigo e o desaparece do mundo. O amas-me e o não me amas. O confio e o mas mesmo assim… O eu quero ser e o não sei se deva. É a luz e as trevas.

E tudo isto, num só pequeno e imprevisível sentimento. Amar é assim. É definir e acrescentar uma premissa final onde afirmamos que nada sabemos do que é amar.

Amar é viver no escuro. E às vezes temos medo do escuro.

É. É difícil amar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Estrangeiros.

Passeavam-se em terras comuns aos dois mas eram os dois filhos do mundo. Apesar de presos a uma terra por um laço de comunhão de luz dada, o seu berço era originalmente, o ser. Acima de qualquer nacionalidade, ambas diferentes e opostamente interessantes, eram os dois filhos do cosmos, nascidos das estrelas, baptizados na aurora e crescidos sobre o manto da humanidade e dos valores de amor por ela dados.


Unidos no laço estreito de denominação natural das províncias e afastados pelos laços de ilusão que em volta dos andantes seres se acometem, apesar de se conhecerem e reconhecerem, eram estrangeiros na terra um do outro.

Sem mapas, sem indicações de profecias, sem dicas para alcançar o ‘x’ de um itinerário imaginado no estrelado do céu de uma noite de chuva, são estrangeiros perdidos na terra um do outro.

Pouco têm além da crença que os une e nem isso é finito, já que as crenças voam com o vento e as uniões só precisam de um ‘des’ para se tornarem em desuniões. De bolsos vazios como a mente em dias cinzentos, com as mãos descontroladamente irrequietas e os olhares perdidos nos horizontes da procura, caminham lado a lado, nas ruas de terra abatida pelos poetas que a palmilharam em busca das odes e das odisseias.

Não se orientam pelo sol nem pelas estrelas porque para se quererem orientar eram precisos objectivos a cumprir. E amor e objectivos conflituam-se no campo do rigor e do sentir, onde inflexibilidade e extravagância sentimental não combinam nem convivem nem coexistem de todo.

Calçam as botas. Descalçam as botas, sacodem as pedras e voltam a calçá-las. Põe o chapéu, tiram o chapéu, caminham ao vento sem botas e chapéus como se nus estivessem e sabem que vestidos ou não, completos ou não, pertencem ao cosmos, à crença, ao Criador, aos destinos…

E é por isso que sendo estrangeiros na terra um do outro, sem se conhecerem, se amam perfeitamente num acaso chamado hoje, num desconhecido chamado aqui, se vivem e se exploram, como quem descobre os mares de há cinco séculos.

E cada passo lhes parece uma rota nova, que traz aos estrangeiros perdidos nas terras um do outro, as especiarias de outrora, os tecidos do conforto, os odores do exotismo, as vistas dos novos mundos.

Caminham, lado a lado, passo sobre passo. Recuam, avançam. Sorriem e desviam os olhares.
Sem bússolas nem mapa, de mãos nas algibeiras, caminham lado a lado, dois estrangeiros, apaixonados.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

pedra filosofal.

Hoje foi um dia cinzento, como tantos outros dias o são. E não seria um dia nada mais que cinzento não fosse o cinzento do dia. Uma coisa é ser um dia cinzento e outra é ter cinzento no dia. Quando se tem cinzento no dia é porque não houve brilho suficiente.


Hoje deixei a porta da câmara secreta entreaberta e parece-me que os avanços na descoberta da pedra filosofal se retraíram. E esta pedra filosofal não é só uma pedra. É a minha pedra. A mais bonita das que até hoje já vi e a que mais me fez estudar, pensar, esboçar, barafustar de um modo totalmente afortunado. E esta minha pedra ainda não está bem descoberta e muito menos está sequer definida em si. Além de saber que estou a projectar a felicidade num amanhã, através e com ela, não sei bem o que pode ser este meu tesouro.

Na minha câmara estavam outras coisas também… Havia o saco dos valores conquistados e a prateleira de princípios ensinados pelo mundo. Havia os sonhos do mundo melhor, os planos para o mundo perfeitamente correcto e os projectos de como transformar os mutantes andantes e falantes deste sítio onde vivemos em pessoas do mundo e para o mundo. A acrescentar estavam também os tesouros já limados, afincadamente polidos e devidamente emoldurados.

Porque é que só a minha pedra pequenina e incompleta teve que cair? Ou foi o vento? Não, nunca é o vento. O vento só sopra, não transforma as pedras em pó nem deixa que os planos para as ter serem amachucados.

Até já pensei em não me importar. Em esquecer a pedra e em ignorar no que ela iria, possivelmente, resultar. Chorava uns dias a sua perda, sentia a sua ausência e tentava deixar que a vida me mostrasse outra pedra bonita. Mas quem me diz que haverá outra pedra bonita? Quem me diz que haverá uma pedra que me faça saber o que está me fez? E quem me diz que eu só choraria uns dias, só sentiria a sua ausência de ânimo leve?

Já pensei em correr atrás de quem a levou, perguntar onde a deixaram e depois trazê-la de volta.

Já pensei em recomeçar. Se eu gosto dela e se acho que ela vale a pena… Se eu não perdi tudo o que ganhei dela… Se eu acho que vivo melhor com ela do que num mundo em que ela não exista…

A minha pedra filosofal é muito mais que qualquer outra pedrinha mágica. Além de ser a minha é a que eu quero ter. E não é contraditório em si querer algo que é meu, porque já vive no meu mundo.

E agora, antes que me fuja mais alguma coisa vou tentar fechar a porta da câmara secreta e voltar ao meu plano, com o caderno de apontamentos na mão, com os ouvidos a tentarem aprender o ritmo, com os olhos fixos no infinito que é nosso e com a vida presa nos limites que separam a existência da vida.

sábado, 8 de maio de 2010

Eu gostar gostava.

Gostava de ser uma cientista louca, despenteada e genial ao ponto de inventar um gravador de alma. É que é incómoda a sensação que me fica quando tenho um pensamento extenso e perfeitamente lógico e mais tarde o quero corporizar e me fica o leve falsete do seu valor inicial. Só me ficam íntegros em si os verdadeiros pensamentos que ocupam uma quase inexistente parte do arquivo de coisas estupidamente fáceis de lembrar.


Gostava de tantas coisas… e se eu pudesse, às vezes tornava-me numa egoísta crua, fria e insaciável de ambição. Perdia a ternura, o cor-de-rosa e mandava trancar as portas e as janelas do coração. Prendia as meninas dos olhos numa torre de razão e deixava-me cega, em ímpetos furiosos e egoístas. E nesse dia (e nesse dia apenas), eu iria fazer e ter o que gostava mesmo de ter e fazer.

Gostava de um pôr-do-sol a dois, com chinelos e gargalhadas na areia, com brisas e maresia. Queria, dizia e tinha.

Gostava mesmo de um clique que me parasse o tempo numa certa sensação. Ria-me, clicava e tinha.

Apetecia-me mesmo encontrar a certeza no olhar, no coração e na voz do alguém, que me fizessem saber as respostas sinceras daquilo que eu preciso saber para poder saber marcar o compasso. Olhava, sentia e via e tinha.

Estimava mesmo muito que tu estivesses ao meu lado, dissesses aquilo que eu queria ouvir, do modo como eu queria sentir. Chamava-te, ordenava-te, sentia-te e tinha.

Queria ser eu A pessoa, O anjo, O doce.
A pessoa que tivesse o valor de uma multidão e que tornasse o mundo perfeito quando imaginado apenas com duas pessoas.
Se não tiver esse valor todo e apenas contribuir para um mundo mais feliz então já não é A pessoa, é uma pessoa, é um anjo, um doce...
Então eu dizia-te, incutia-te e só tinhas de dizer que eu era A pessoa, O anjo e O doce na tua vida. E eu tinha.

Queria ter em ti o reflexo do amor-perfeito. Sereno, sensível, querido, sincero, fiel, atrevido, seguro, modesto, carinhoso, inteligente, divertido, bondoso, preocupado, consciente, coerente, apaixonado, sensato, discreto, culto, educado, perspicaz, gentil, charmoso, sedutor, paciente.
Então mudava aquilo que tinhas a mais, acrescentava doses do que estava a menos e fazia-te uns implantes totalmente genuínos do que não tinhas. E tinha.

Tinha tudo o que queria, à minha maneira.

Mas a vida e o mundo, na relação deles connosco, não nos deixam ser egoístas ao ponto de poder termos tudo o que adorávamos ter.
Por isso nem sempre temos o mar nem a companhia, ou o clique e as sensações, as certezas e o fim das dúvidas mortiças.
Por isso nem sempre ouvimos que somos A pessoa, O doce e O anjo.
E dificilmente teremos o reflexo do amor-perfeito que sonhamos.
Não terá nunca todas as qualidades que pretendíamos que tivesse.

Mas mesmo assim, mesmo que eu não o pudesse moldar, eu iria amá-lo.
Odiá-lo-ia, às vezes, por me fazer amá-lo demais.
Eu iria gostar dele e tê-lo como certo, como sincero de corpo e alma, como O meu único e exclusivo amor. Porque se eu gostasse mesmo dele não o iria moldar. Iria deixar os moldes de lado, tal seria a vontade de inventar horas no relógio para ter mais e mais tempo a fim de poder viver esse amor.
Porque quando se ama, não há nem conceitos nem preconceitos e muito menos pode haver egoísmo.
Não pode haver tempos perdidos a pensar em como iremos mudar alguém ou em tempos mortos só para ver como evoluem as pessoas no tempo, só com a esperança que alcance exactamente os níveis que pretendemos.

É por isso que Ele não nos deixa ser assim tão egoístas.
Seria o fim dos duos realizados, par a par.
Haveriam sim, conjuntos.
Uma voz chefe, dominantemente egoísta e outras várias vozes baixas e rebaixadas, bonitas e pequenas, expectantes do tempo certo para ascender ao sol, para brilhar no papel principal.
E nem Ele nem eu queremos isso.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

saudades dos sonhos.

Lembro-me de quando era criança. Lembro-me de quais eram os meus sonhos, do que eu queria para a vida. Lembro-me de ser decidida e de ter objectivos. Claro que naquela idade nem as decisões iam além do sabor do chupa-chupa e da franja que eu própria cortei quando a minha mãe me queria infligir fotografias horríveis para a posterioridade nem os objectivos passam depois da meta de um casamento perfeito com alguém que me amasse desmesuradamente.


Hoje tenho saudades desses tempos. Tenho saudade da simplicidade de pensamentos que atrás ficou. Tenho saudades da ignorância que me permitia acreditar em amores inocentes e possíveis. Tenho saudades de tudo aquilo que eu acreditava ser eterno, imortal.

Tenho saudades da fé. Da fé no mundo e nas pessoas. Principalmente, tenho saudades de acreditar nas pessoas e no meu amor e no delas.

Tenho ainda um sonho guardado. O sonho do amor-perfeito. Porque os contos de fadas não foram feitos para dar às crianças expectativas inocentes. Mas sim, para lhes mostrar que há historias felizes, que nem tudo é negro, que a vida pode e deve ser perfeitamente vivida, tal como nos contos de fadas.

Esse sonho guardado não se mantém intocável. Mudei pormenores e deixei o felizes para sempre, acrescentando o enquanto durar.

Sonho com o meu amor-perfeito. Com aquele que será a sério. Com aquele que me fará perder as incertezas.

O meu amor-perfeito dir-me-ia olhos nos olhos que me amava.
Dar-me-ia a mão enquanto passeássemos ao fim-de-semana, abraçar-me-ia em frente aos amigos e teria orgulho no amor que sentisse.
Escrever-me-ia cartas se soubesse escrever com o coração, pintar-me-ia quadros se soubesse pintar com o coração, cantar-me-ia canções se soubesse cantar com o coração.
Levar-me-ia a sítios sem perguntar onde eu queria ir, teria uma surpresa para mim, far-me-ia feliz dia após dia, sempre sem entrar no ritmo de me ter como adquirida.
Teria ciúmes, pegar-me-ia ao colo e rodopiar-me-ia sem se importar com o estatuto de miúdo que essa atitude lhe daria. Seria indiscreto comigo, seria discreto com os outros.
Teria consciência e não me faria ficar confusa.
Seria inteligente e nunca me tentaria enganar com mentiras estupidamente fáceis de descobrir.
Seria fiel, com o olhar, com o confiar, com o amar.
Dir-me-ia sempre a verdade e seria querido ao ponto de perceber até onde poderia ir a cada instante.
Não esperaria que eu tomasse sempre iniciativa.
Não quereria que eu fosse igual às suas pretensões, não me mandaria ali ou acolá mas faria acordos vantajosos para ambas as partes.
Saberia conquistar-me dia após dia, como se precisássemos de nos apaixonar todos os dias, a primeira vez.

O amor-perfeito que eu guardo, nos sonhos, saberia que seriamos nós contra o mundo. Porque o amor seria tão impossivelmente grande e perfeito, que tudo aquilo que pudesse existir contra, não teria qualquer significado.

O meu amor-perfeito, seria sem dúvida, aquele a quem eu me daria de inteiro. A quem eu me iria dedicar, a quem eu iria prometer, a quem eu quereria agradar e conquistar a cada instante, sempre mais. O meu amor-perfeito seria assim, pleno.

Tenho saudades de ser pequena. Saudades de não saber o que era estar angustiada e de só pensar para fazer equações. Saudades de acreditar que o amor é possível e é fácil, que faz sempre bem e que nos dá a serenidade e a confiança que anima o espírito.

Tenho saudades dos sonhos. Tenho saudades de acreditar que um dia todos se iriam realizar.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Este aquilo...

Não penso no tempo útil e inútil que perco agora. Pensarei amanhã ou um dia depois quando me apresentarem a conta de horas perdidas por um sentimento tão grande e definidamente nosso.


Tenho controvérsia nos pensamentos. Distinções e preconceitos que eu não sei ter mas que sei que outros não sabem não ter. Tenho sal nas ternuras e mel nos ímpetos que me elevam numa das salas do nosso castelo.


Tenho em mim muito de muito e muito de muito que eu não sei o que será. Somos estrangeiros na terra um do outro e mesmo assim, queremos morar perto.


Somos, e somos mesmo, uma primeira pessoa do plural que apesar de definida entre si e por si, se vê num mar de pontos de interrogação que derivam em reticências.


Somos aquilo que temos e que sabemos ser. Não somos as palavras de estima ou as de incentivo, não somos as palavras de consolo ou as de orgulho, não somos nem as palavras de carinho nem as de sedução. O que somos e nos aperta o peito num vazio pouco intermitente são os olhares discretos e voláteis, que ninguém sabe saber nem sentir. O que somos e nos faz fazer bem, reciprocamente, são os sorrisos que me fazem querer girar sobre mim, dançar mil vezes e cantar outras mil até que doa a voz e a vós vos irrite. O que somos e temos são os abraços que nos faltam e que ficam sempre a faltar…


Não sei não pensar, não sei não sentir, não sei não ter consciência, não sei preferir não compreender, não sei não sonhar, não sei não.


Só sei aquilo, que é um saber estranhamente sábio.


E apesar de tudo o que não sei e de tudo o que sei não saber, sei muito bem que em poucas palavras te posso dizer o que é aquilo. É que aquilo que se eleva emocionantemente incomodativo, aquilo que se ocupa dos pensamentos constitucionais de sonho, aquilo que voa em si num desejo lascivo de bem-querer, aquilo que se esboça num sorriso imperfeito e num brilho desmedidamente louco, aquilo é isto.


É isto mesmo.


E não há ninguém que me explique em menores palavras que aquilo é este.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

tesouros.

Certos dias, naqueles de céu azulado e nuvens intermitentes, o mundo, numa teia conspiradora e intimidativa, lança-nos no vago da nossa, terna, escura, estranha e pérfida, mente.



Há dias, azuis e brancos, esplendorosos, magnânimos, em que ao pensar no amor e nos outros nos apercebemos da importância das coisas, das grandes, das pequenas, das coisas banais, das coisas extravagantes. E damos por nós a pensar em nós, canalizando o raciocínio para a ponta mais baixa do ser.


Às vezes baixo-me em mim e encontro tesouros perdidos ao nível do chão. Parece-me que sempre ali estiveram… E depois, pego-os, limo-lhe as arestas provocadas pelo arrasto do tempo, dou-lhes brilho e pó de estrelas e sonhos e coloco-os na prateleira dos valores na segunda sala magna do edifício conjunto do ser, do pensar e do sentir.


Num dia azulado, virtuoso e branco, encontrei uma pedra preciosa e perdida. E perdi-me no rumo a dar-lhe. Os tesouros não devem ficar apenas guardados, devem fazer brilhar outros baús cujos donos ainda não souberam como atingir o nível do chão por não quererem perder o empinado no nariz.


Perdi-me porque era uma pedra brilhante e séria, sedutora e altiva, que me cativou e me baralhou, quando me perguntou para onde iria agora que eu a tinha achado. Disse-lhe em surdina que ela ficaria comigo mas que o brilho dela iria tornar azul o céu de outras pessoas e que ela deveria ficar orgulhosa por isso. E ela, atrevida como a cor dizia e o aspecto tosco e desleixado não indicava, interrogou-me, maleficamente, quem seria tão importante assim.


E aí descobri porque muitas pessoas não se baixam em busca de tesouros no chão de baixo: porque muitos deles são esqueletos incomodativos que ficam a perturbar a consciência e a almofada.


A verdade é que cometemos muitos erros a dar importância às pessoas. Em excesso e em defeito. O defeito leva-nos à auto-flagelação dormente. O excesso leva-nos à auto-humilhação, à auto-desilusão, à auto-destruição de mundos cor-de-rosa. Parece-me a mim que quando erro nos temperos o efeito é parecido. Se por defeito anda, fica-me a moer e a remoer o sabor sem sabor. Se em excesso me pareça, ainda que às vezes assim dele goste, quando passa abaixo e repousa, deixa-me a ingerir quantias anormais do que das fontes brota.


Assim, naquele dia azul, o tesouro foi polido, idolatrado e depois, ao cantar-lhe a canção de emprateleirar, disse-lhe que iria escrever sobre ele. Inchou-se e brilhou, cantou-me que nunca ninguém o tinha feito sentir-se tão brilhantemente importante.


O brilho dele ficou sempre na minha mão. E recordo-o enquanto procuro tornar mais claros os dias cinzentos e os dias com nuvens constantes. Recordo-o com a certeza de que os meus níveis de importância nos corpos estranhos ao relógio biológico estão hoje bem perto do certo e que por isso não preciso de pôr nem sal a mais nem sal a menos.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Madness

Dizem que todos os génios eram loucos. Dizem que o amor tem uma grande parte de loucura e que a própria loucura tem uma certa razão.
Sejamos então todos loucos e ainda que sem uma canção sobre loucos de outras partes do globo, cantemos a loucura daquilo que é a existência.

Há loucura em cada emoção. Há razão em cada loucura provocada por emoção.

Há loucura na confiança, no depósito de expectativas, na partilha, na entrega, no olhar, no sorrir, no ouvir, no dançar, no tocar, no falar, no amar, no ser... Há loucura em querer alcançar todos os sonhos de miúdo e em querer alcançar o inalcançável. Há loucura na adrenalina e na acomodação. Há loucura no selvagem e há loucura na privação. Há loucura no negativismo e há loucura na prepotência.

No entanto, há razão, de igual para igual, com essa louca loucura. Andam de mãos dadas, tal como andam muitos outros semelhantes que nos tiram a pele lisa em volta dos olhos. Andam lado a lado, espalhando magia, do mesmo modo que o fazem mil e dois outros distintos gémeos seus.

Contradizem-se, como me renego eu.
Afirmam-se, como me acho eu.
Baralham-se, como me baralho eu.

Há loucura no acordar todos os dias. Há loucura no deitar todos os dias. Há loucura no amar de vez em quando ou todos os dias.
Há loucura quando colocamos 'se?', quando empregamos 'mas...' e quando achamos que 'não sei.' .
Há loucura quando afirmamos que será para sempre, que será nunca, que sim e que não.

E mesmo assim, há razão e sensatez em tudo.

Somos loucos? Somos. Nascemos nus, expectantes, firmes e loucos. Se tivessemos só razão, não sei se teríamos nascido.

Mas nascemos, derivantes dos habitantes das lianas. Loucos, selvagens, irracionais a tempo inteiro, mas nem sempre no activo do papel.

Somos loucos? Somos. Somos loucos e fazemos loucuras, da mesma maneira que somos amigos e confiamos, da mesma maneira que somos fãs e confiamos*, da mesma maneira que somos amantes e amamos, da mesma maneira que somos crentes e acreditamos.

Não há mal na loucura. Não há mal em usar a loucura que nos mostra como viver.
Deixemos o mundo girar, deixemos que ele seja racionalmente louco.
Não vale a pena lutar contra o que se sente.
Se temos frio, pois vistamos mais roupa.
Se temos calor, pois tiremos a roupa que vestimos a mais.
Se amamos, amemos.
Se odiamos, ignoremos ou resolvamos os problemas.
Se temos um dom, partilhemos.
Se somos loucos, loucos seremos.
Porque num dia racional, nus, queixosos e loucos nascemos.


* ser fã de um clube de futebol, cuja sigla é sl**, é a única excepção à loucura abordada neste aglomerado de ideias. Essa loucura é a única que não tem qualquer relação com a razão.


** b

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cartas-ao-vento-I

Hoje não quis privar-me de ti.


Sei que não seremos eternos e muito menos seremos até que a morte nos separe. Sei-o com a mesma certeza que sei que não tenho certezas certas e impassíveis. Por isso deixo que contestes, sem qualquer restrição, os prazos dos nossos sentimentos.
 Sei que te confundo e sei que a tua única certeza é a de que eu sou confusa.
E a minha única certeza, neste minuto, é a de que a tua certeza está certa.
Não te posso explicar como me tornei assim.
Não te posso indicar como deves lidar comigo. Muito menos, te posso enganar e vestir os trajes que fariam de mim o teu par ideal.

Penso que não te amo.
Penso que nem sei bem o que é essa conversa obtusa de amar e amor e outras coisas ainda mais estranhas.
Penso que já amei.
Penso que nem todos os pensamentos, ainda que autênticos, sejam fidedignos.

Por isso penso (julgo que penso), 
que sinto (julgo que consigo pensar no que sinto),
que a vida me deixou num plano paralelo.

Não tenho qualquer certeza, mas se pudesse escolher ( não escolher entre viver na Terra ou andar a vaguear num plano paralelo) eu gostaria que fosse um espaço quase todo branco, imenso e terno.
Com dois cantinhos coloridos
e
outros dois mais escuros.
Cheiraria a laranjas, a perfume de Adão, a açúcar e a chocolate quente.

Mas eu não posso escolher o sitio onde o meu espírito e todos os seus pensamentos confusos se instalaram.
Simplesmente voaram com os anos que para trás ficam e acomodaram-se, permitindo-me que lhes diga apenas se eu gosto deles ou não.

E não, hoje não gosto do sitio para onde partiram.
E não gosto de ter sérias dúvidas, ou ausências de certezas, sobre se alguma vez de lá sairão.

Mesmo assim,
mesmo que estas palavras que escrevo,
julgando serem minhas e julgando serem para ti,
são palavras sinceras,
aparte das confusões, das duvidas e dos tremores,
que julgo sentir quando me tocas na mão.

Hoje,
julgo que ainda é hoje,
desculpa-me
as letras que amontoei confusamente numa espécie de carta.

Perdoa-me a falta de olhares directos e de palavras fieis tal como a ausência de um perfume suave para te brindar.
Hoje,
perdoa-me a certeza certa de confusão e a certeza talvez mais certa, agora sabida, de que não te amo.
Mas perdoa-me a dúvida de não te saber explicar mais,
muito menos,
o porquê de não ainda que não te amando, isto certamente o sei,
sentir a falta do teu olhar e do teu perfume.

Sem mais amor e sem certezas do que isso é,


Um leve,

e terno beijo,
julgo,
meu.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Vazio

Há espaços que já não nos pertencem, pessoas que não se encaixam, pensamentos que deixam de ser livres, comportamentos que já não são adequados e momentos que não nos preenchem como dantes. Tudo se desenrola como uma simples onda que à medida que avança sobre a costa traz consigo cada vez menos areia, tornando-se sucessivamente mais fraca, perdendo a intensidade de outros tempos, se é que alguma vez houve tanta intensidade assim.

Não creio que sejam os espaços, as pessoas, os pensamentos e os comportamentos que tenham mudado muito. No fundo, continuam todos lá. As mesmas caras, as mesmas paredes, os mesmos ambientes e as mesmas rotinas. A única diferença é que deixaram de fazer parte de mim. Deixei de lhes pertencer, se é que alguma vez pertenci realmente. Talvez a onda nunca tenha tido grande intensidade. Talvez seja eu que queira pensar que sim.

Pensar no passado pode, muitas vezes, ser traiçoeiro, especialmente quando esse passado está tão presente. Voltar fez-me reflectir sobre aquilo que poderia ter sido, que poderia ter feito, que poderia ter vivido e que poderia ter sentido. Sei que não tenho saudades dos espaços, das pessoas, dos pensamentos e dos comportamentos que me acompanharam. Quem me dera dizer que sim, porque quando sentimos saudades, isso significa que aquilo que nos faz falta existiu e nos foi especial. No entanto, aquilo que me faz falta simplesmente não existiu, ficando pendente num projecto nunca iniciado. Não culpo ninguém, nem me culpo a mim, pois sei que provavelmente se voltasse atrás não faria nada de extraordinariamente diferente. Apesar disso, não consigo evitar que um certo vazio me ocupe a memória quando olho em retrospectiva e também não consigo evitar que esse vazio interfira na pessoa que sou hoje.

Sei que não tenho saudades dos espaços, das pessoas, dos pensamentos e dos comportamentos. E agora sei que nunca lhes pertenci verdadeiramente. Definitivamente a onda nunca teve muita intensidade, limitando-se a avançar sobre a costa sem grande proveito, deixando que o tempo levasse embora os sonhos perdidos.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Desconfiança

Depois de tanto tempo afastado do blog achei que era uma boa altura para recomeçar a escrever. Isto tem uma simples razão: a minha existência neste momento não tem proporcionado nada de produtivo para ninguém. Depois de frequências e exames parece que a única coisa que sei fazer é dormir e comer e não consigo fugir a isso. Chego a programar o despertador para a uma da tarde e não me consigo levantar. Vou muitas vezes buscar comida à cozinha e volto para a cama com um tabuleiro recheado para não ter de voltar ao frio das outras divisões da casa.

Foi na continuação deste meu estado vegetal que assisti a um programa na televisão em que os apresentadores perguntavam aos telespectadores se estes achavam que os portugueses eram desconfiados, pois um estudo recente revela que os portugueses são o povo mais desconfiado da Europa. Ora, na sequência desta notícia, não pude deixar de iniciar uma reflexão profunda sobre o tema. A conclusão a que cheguei foi: caramba, somos mesmo desconfiados!

Se repararmos, muitas das acções que praticamos desde que nos levantamos até nos deitarmos são baseadas na desconfiança, muitas vezes nem em nós próprios confiamos. Acontece frequentemente perguntar ao meu irmão se está frio lá fora e mesmo assim ir confirmar à janela. Quando aqueço a caneca de leite no microondas ponho sempre tempo a mais, nunca confiando que um minuto é suficiente. Quando acabo de lavar as mãos, olho sempre para trás para ver se fechei correctamente a torneira, não vá a conta da água surpreender-me no final do mês. Antes de sair de casa pratico sempre o ritual “chaves de casa, check; carteira, check; passe do metro, check”, pois sei que a minha atenção não é das melhores.

Mas esta desconfiança também se aplica aos outros. Desconfiamos sempre do que os outros dizem ou fazem. Quando alguém nos diz os horários do cinema, vamos sempre à Internet confirmar. Quando vamos ao supermercado confirmamos sempre o troco e o talão. Quando encontramos roupa muito barata à venda, desconfiamos sempre da sua qualidade. Quando usamos o GPS, apesar de sabermos que provavelmente todos os caminhos estão certos, não deixamos de estar constantemente a verificar a sua veracidade. Quando o Governo anuncia bons resultados na economia, nunca acreditamos verdadeiramente no método que utilizou para os calcular.

Enfim, passamos a nossa vida a desconfiar dos outros, de nós próprios, do que os outros dizem, do que nós próprios dizemos, do que os outros fazem ou do que nós próprios fazemos. A desconfiança está sempre lá. Nunca confiamos totalmente. É-nos impossível! Mas também é compreensível porque vivemos num país onde o governo dá o exemplo: embustes, imposturas, falsidades, corrupção, demagogia barata, populismo traiçoeiro, engano, e roubo dos que tudo declaram nos impostos e nenhuns subsídios têm (ao contrário dos que nada pagam e tudo lhes é subsidiado). Acham que assim dá para confiar em alguma coisa?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

com ou sem, mas sempre.

Noutros distantes e idos dias, um príncipe escreveria se soubesse e um camponês riria se pudesse.


Aos olhos de quem vivia na terra, da terra e para a terra, isto nos tempos que já lá vão, as cartas de amor eram deprimentes e praticamente inexistentes. E facilmente se percebe. Que significado teria um pedaço de papel e letras pintadas, para quem, de mãos calejadas abre o invólucro da poesia, podendo ver o milagre da vida e do Criador, sempre e de perto?

Comparai a maior citação de amor ao simples pôr-do-sol e dizei-me de sua justiça o que de verdade parece mais autêntico, aos olhos de quem vive.

O príncipe, eterno apaixonado, permanecerá nos seus aposentos, cirandando e ditando as palavras que a sua donzela deverá ouvir. E alguém há-de lhe escrever essas palavras, alguém há-de selar o envelope e partir à socapa para entregar, como que um tesouro, à apaixonada do que ditou.


É um amor bonito, o poético. E estou certa que o amor verdadeiro não olha a formas.


Mas imaginai a época antiga.


Privilegiados eram os amantes do campo, que enamorados de uma moça lhe podiam mostrar o mundo ao invés de lhe escrever do sol, do mar, do vento e dos prados.
Camponeses, dariam as mãos, primeiro timidamente e depois, desajeitados, sem maneiras, porque a volúpia da procura atrapalharia os gestos. E contemplariam o que semeado estivesse, sempre juntos, com fervor no olhar.


Não teriam poesia a não ser toda aquela que sentiam.


O príncipe, dengoso, escrevê-la-ia. Encantaria os seus sonhos com as palavras. E depois, vivê-las-ia, talvez.


E um plebeu, afogado em fuligem, palha e pó, viveria o milagre da vida e do amor e ainda assim seria poesia.


A magia de um sentimento pode ser escrita e sentida nas palavras e os sonhadores apaixonar-se-ão, certamente.


Mas um homem dos terrenos concretos, cuja única poesia que conhece é a da lavra dos campos e a do vento no Outono, não tem sonhos. E apenas ama o que vê. Não pode amar o que lê, porque ainda que perceba os rabiscos erigidos num papel, isso não lhe é nada além de nada.


Por isso amemos. Das torres do castelo ou da cabana de um vale, em vestes detalhadas ou em pele despida, com música e suspiros ou natureza e gemidos, amemos. Porque a vida não foi criada para sermos unicamente diferentes e termos acesso a amores diferentes. Foi criada e agradecidos estamos ao criador, para que amássemos, como pudermos. Com saias, sem saias.
Com poesia ou com brisas ao ar livre.


Amemos, só.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

mundo, meu.

Tive um mundo redondo e puro.
Sereno 
              conturbado
                                     leve
                                                    e              desajeitado.



Era um mundo e dentro dele outro e dentro desse outro outros mil.

E em cada um desses pequenos e meus mundos, havia sempre magia e reflexos. Reflexos meus e dos outros, porque aquilo que somos e em que nos transformamos, reflecte-se à nossa volta e naquilo que criamos. E só eu, tinha num mundo, mil outros mundos.
 Era um mundo cheio. Quis que nele houvesse sempre o que acho que falta muitas vezes nos mundos quando ficam mais velhos. Queria serenidade, sensatez, pureza, simplicidade, inocência.

 
E por isso atei-lhe em volta uma fita de seda clara e assegurei-me que seria para sempre assim, perfeito. Não quis que nada se desfragmentasse.
 Claro que há sempre algumas coisas que acabam por sair, por se perder e outras que se agregam e se aproximam do núcleo, com sentimento.

E durante muito tempo foi assim. Seguro. Certo. Completo. Inocente. Esperançoso (sim, mantive um hábito de contos de fadas. Lia todos os dias ao meu mundo os meus livros infantis da prateleira mais baixa do meu quarto).

E ali ficou ele, perfeito.
Imune.
Intacto.
Espectador dos outros mundos que às vezes desmoronam, mas confiante porque todos os que caíram não tinham uma fita de seda segura.


Hoje, agora, sei que nenhum mundo é totalmente certo, seguro e puro.
Hoje sei que nunca irei perder o núcleo do meu mundos, dos meus mundos.

Mas a fita já se começou a desfazer.