Às vezes, na música, há uma nota que falha.
Antecipamos e deturpamos o ritmo da melodia como um fio que quebrou no tear e alterou o padrão de um tecido. Ou atrasamos uma colcheia e ficamos a contratempo, desacertados com os que nos acompanham. E nem sempre sabemos mudar o ritmo que tomámos inesperadamente para voltar ao compasso sensato.
A verdade é que a nota falhada pode até nem se notar, dependendo da melodia onde estava encaixada. Mas, se fosse num solo, em que cada um de nós, cada artista, tivesse que executar uma música brilhante, capaz de arrepiar e colocar uma lágrima de emoção nos olhares, em que estivéssemos isolados, destacados e responsáveis, cada nota falhada, antecipada, atrasada ou mesmo ocultada, iria ter efeitos indetermináveis.
Aquela nota que falhámos, podia ser a nota que precisávamos para que no fim, ouvíssemos o nosso nome sair da boca dos espectadores na forma de aclamação, que iriam aplaudir de pé.
Ou podia ser, aquela nota que antecipámos, o motivo pelo qual fomos mal compreendidos e nos vimos negados do direito a mostrar que poderia ter resultado.
Ou então, a nota que atrasámos, podia mesmo ser, a razão pela qual chegámos tarde de mais a um palco onde já não tínhamos lugar, onde a orquestra já estava completa e onde o lugar que tanto queríamos e que tivemos como certo e garantido, já não existia mais, porque quando chegámos, já era tarde.
Na realidade, na música, naquela que habitualmente ouvimos, os erros são sem dúvida bem mais fáceis de suportar.
Mas, na verdadeira melodia, a que é feita de pautas bem delineadas e que roubou de nós partes importantes de sossego, na verdadeira melodia, naquela em que demorámos a encontrar todos os executantes necessários e indispensáveis para a sua existência, na verdadeira e mais pura melodia, aquela que construímos, aquela que escolhemos a dedo, aquela que nos fez pensar e repensar, aquela que nos obrigou a escolher e a abdicar, aquela que causou transtornos e alegrias, aquela que deixou que os passeios de mãos dadas fossem sempre adequados, que deixou que os pores-do-sol pudessem ser sempre cenários de melancolia e que deixou que os pensamentos fossem sempre o melhor e o mais assustador refugio de sonhos por cumprir, nessa, cada nota é a solo.
E num solo, somos só nos.
E aí, cada nota, antecipada ou atrasada, irá ter o seu custo.
E nós, músicos de poesias vazias de letras, sem uma máquina do tempo, teremos, teremos mesmo, que o saber pagar.
4 comentários:
Bem eu não percebo nada de música, mas percebo onde queres chegar. É mesmo verdade. Num solo, nós é que tomamos o comando e só nós podemos assumir as consequências de uma nota falhada ou de um ritmo incerto.
Mas sabes que mais? Não interessa se falhámos uma vez. Haverão muitas outras melodias para tocar e a vida é feita de erros. Quem disse que o que estava escrito na pauta era o que deviamos seguir?
Um desvio ou uma mudança são muito mais interessantes do que decisões já pré-determinadas. E quem disse que tinhamos que agradar a toda a plateia? Vamos ser um bocadinho mais egoistas, pensar em nós primeiro. Afinal, só nós próprios podemos tocar o nosso solo. Ninguém o faz por nós e, por isso, temos todo o direito de errar, falhar, tentar e voltar a tentar.O que interessa é que no final tenhamos sentido que tudo valeu a pena e que a pauta ficou bem preenchida e, quem sabe, muito mais interessante.
Beijinho
Ainda bem que tu fazes parte da minha melodia. Sem ti, faltaria sempre o acorde final de cada música.. ou a simples fusa que torna tudo mágico.
Tesouro *
Eu nem sei o que dizer perante um texto tão magnifico... Mas sim temos que ter cuidado com os erros que cometemos em cada solo que executamos, mas como diz o André, somos nós que ofazemos ninguém o faz por nós, por isso devemos faze-lo á nossa maneira, e errar de vez em quando também é engraçado.
Bjx minha ratoila!!!
Gosto mito de ti!!
Adoro!!! *
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